domingo, 19 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - Chananas


Parte I

Certa vez em uma conversa com um conhecido, percebemos como minha mente vive em um eterno saudosismo e como tenho dificuldade de ver as boas energias do maravilhoso agora. Meu momentâneo é sempre enfadonho e empalidecido diante da fragmentada face da memória. As peças que a minha mente parece acessar é cheia de um brilho mais glamoroso do que o instante presente. Estou sempre querendo retornar a certas sensações enquanto me encho de apatia pelo presente que me perpassa. Desde brilhantes conversas que me abrem portas para outros mundos, descobertas de novas músicas, ver um filme incrível pela primeira vez e perceber que ele se tornaria relevante para o resto da minha vida, frequentar espaços que já não tenho acesso, estar entre amigos que agora seguem outras jornadas, estar em relacionamentos que são compartilhados momentos tão únicos e que ao terminar, sei que não poderei retomar esses singelos momentos. Até mesmo a solidão mergulhada em conhecimentos, repaginadas na rotina que me trazem novos hábitos, estudos que adicionam camadas ao meu conhecimento de mundo, fazer nada de forma prazerosa e sem a culpa da procrastinação, essas coisinhas inundam a minha mente com uma nostalgia melancólica e alegre. Minha mente está sempre retornando a esses momentos e desprezando a passagem deles enquanto acontecem.

Hoje me peguei observando as pequenas coisas que me dão prazeres diários. O som dos pássaros na minha janela, o cheiro do incenso em meu quarto, a água quente percorrendo o meu corpo e me relaxando enquanto me banho, as borboletas e abelhas pousando nas chananas que tem crescido por todo bairro, o cheiro dos jasmins que colho e coloco no vaso amarelo do meu buffet, o ronronar dos meus gatos deitados ao me redor e todo o amor que recebo deles, os elogios que recebo dos meus alunos que me enchem de satisfação e alegria, as risadas que dou com a minha equipe e o companheirismo deles, o prazer em servir uma boa comida ao meu irmão, fazendo experimentos culinários, o sabor da minha comida temperada do jeito que eu gosto com os ingredientes que para mim fazem o diferencial, os sonhos cheios de simbolismo que tornam-me pensativa sobre os seus significados, a bela pintura do cosmos postada por uma talentosa amiga, ou aquela pintura dela de tangerinas que me faz quase sentir o cheiro cítrico adocicado dessa fruta que tanto amo comer,- e que me traz lembranças suas - o cheiro do perfume que me remete a uma tarde ensolarada, a neblina matinal que cobre o meu arrededor e me lembra as manhãs indo para as aulas de sapateado e jazz quando tinha 10 anos, os girassóis crescendo no meu jardim e florescendo, o cheiro de canela no café amargo, a ternura materna que recebo, me fazendo sentir assistida e ciente de que tenho essa rede de apoio a que posso recorrer quando algo em minha vida parece fora de ordem. Essa segurança materna que temo tanto perder, como uma correnteza que segue o fluxo sem que tenhamos controle, por mais que tentemos nadar contra a maré.

Me pergunto o quanto do meu cotidiano eu sentirei falta quando a minha vida estiver passando por mais uma volta da roda da fortuna. Semper crescis aut decrescis. Ando muito pensativa em como me sinto em uma certa completude momentânea enquanto sinto um terrível vazio existencial formigando em minha mente que não me deixa viver o momento e suas singularidades, pois estou presa em uma energia passada que me consome e não me permite estar totalmente presente. Mas tenho tentado. Eu sei o quanto tenho mergulhado e hiper focado em vários assuntos que tem me aberto novos mundos, sem que eu saiba ainda o impacto dessa minha nova jornada em sua total imensidão. Estou abrindo a mente para questões que antes negava dentro do meu ceticismo arrogante e me permitido acreditar em elementos fantasiosos para buscar alguma espécie de iluminação interior, incluindo constantes leituras, deixando de frequentar lugares que "baixam" a minha energia, buscando não me envolver efemeramente com outros corpos que me trazem um prazer fugaz que em nada me acrescentam, procurando não mais beber para ter mais controle dos meus atos e mente, meditando, entoando palavras positivas, tentando entender o propósito da minha existência nessa terra corrompida em que vivemos, afastando as minhas sombras ciente de que preciso lidar com elas, indo a terapeuta sem falta, acessando o peso da minha mente agitada que me afasta de quem eu estou neste momento. Sim, estou como as fases da lua, iluminada pela luz do sol. Estou, pois estou sempre em constante mudança. E não digo isso com a obviedade de um post de instagram, mas pelas observações dos meus ciclos e das minhas tantas facetas, vivências e personas. Não sou constante. Não somos. E não haveríamos de ser. Estagnação não traz progresso. E eu estou agora vivendo alguma fase desse luto que não sei bem definir aonde. Mas estou. E sei que assim como tantos ciclos ele se fará lembrança e talvez virá em ondas nostálgicas, talvez como alguma lição. Não sei te dizer ao certo para onde as minhas sensações futuras irão me levar. Talvez me leve para vários momentos de risos que memórias arrematam, ou para lágrimas que lembranças causam. Mas sei que ainda te guardo comigo. E talvez te carregue para sempre, me trazendo esse misto de alegria e tristeza que a nossa história me remete. Um sentimento de saber que talvez não possa mais acessar esse lugar fisicamente, mas está cravado em algum lugar dos meus pensamentos que às vezes me visita em sonhos sobre reconciliações e entendimentos, como se os sonhos me trouxessem fechamentos e continuações.

Certa vez você me disse que amor está mais nos gestos do que nas palavras, e que as palavras devem ser incluídas nos momentos certos. Palavras estão cheias de tantos sentimentos, é a expressão do que sentimos por dentro, quando não camufladas por manipulações e contenções. Eu procurei ser honesta contigo, mas me prendendo num medo talvez injustificado de não aceitação. Não menti quando disse que te amo. E eu te amo nesses momentos que tive contigo e sempre me tomarão a mente como essa nostalgia que me arremata como ondas de uma maré em ressaca. Talvez eu floreie o que vivemos. Mas sinto que fui feliz nos momentos que compartilhamos e eles se juntarão a essas belas memórias. E me sinto punida por não ter te dito nos momentos chaves que te amava e o quanto estava feliz contigo - mas eu disse, eu sempre disse. Ou por ter dito também em momentos de desespero e de separação. Meu amor foi constante e continua sendo. Não foi momentâneo e não existia apenas quando as coisas pareciam bem. Eu te amei em todos os momentos. Inclusive agora, quando você já não está mais.

Eu sei que sempre te amarei de alguma forma. Amarei também a história que poderíamos ter vivido. Aquela que vi nas cartas certa vez, se revelando em um célebre 3 de copas. Mas o meu caminho foi seguido pela jornada do Eremita. E eu sigo-a de bom grado, me inundando de conhecimentos e procurando acessar alguma sabedoria interna. É um caminho que já sabia que teria de trilhar caso você decidisse que não deveríamos estar juntos. Mas o seu caminho, espero que esteja sendo surpreendentemente bom. Porque te quero bem. E quero que você saiba disso. Eu não guardo rancor, eu escolho guardar os bons momentos desse amor que sempre estará comigo. Talvez piegas. E talvez você se mantenha fiel à sua escolha e a um provável orgulho justificado por seus pensamentos racionais decidido a não mais falar comigo. E é uma escolha sua. E tudo bem. Pois já tivemos uma bela história em um momento meu de caos mental. Mas eu carrego esse amor na minha caminhada, assim como as belas chananas repousadas por borboletas amarelas que florescem em meu caminho.


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