quinta-feira, 30 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - Lago

 

Parte XI

Hoje fui visitada pela fria face do passado, mostrando-me padrões de comportamentos que preciso quebrar. Quebram-se os ciclos, a estrada segue sem obstáculos que me atrasem. Me sinto cansada, carregando o fardo de escolhas perigosas que se apresentam como um fogaréu de possibilidades. Não posso ter tudo o que eu quero. Deixo ir. Preciso me priorizar e me agarrar aos meus ideais quando vejo as flores murchando em meu caminho. Hoje nada me pareceu belo, mas uma dor me atingiu a boca do estômago transformando-se em mil borboletas cortantes que me machucaram. Nem sempre o dia alegra-se nas pequenas coisas. Não quando a desordem dos pensamentos se pesa em mim.

Preciso apenas partir, assim como Daphne, enraizando-me em outros espaços, protegendo-me do pavor desse amor que permanece tortuosa e errônea. Status malus vana salus semper dissolubilis. Me sinto estagnada em uma areia movediça me engolindo até me fazer perder os sentidos e sufocar. Preciso de calma para emergir e me retirar deste espaço. Sozinha. Mais uma vez. 

Hoje senti o meu passado me jogar maçãs podres, me cobrindo de contusões. Estou exausta e machucada. Nem sempre é sobre você. Hoje sou eu, perdida em pensamentos vãos que me assolam enquanto tento entender a roda da fortuna que gira e me tece a vida, ontem no topo, hoje em baixo.

Eu mereço mais do que isso. Mereço um caminho livre, sem perpassar por confusas miragens de futuros impróprios, como 7 taças que me apresentam opções ilusórias. Eu não posso mergulhar nesse lago que se encontra no horizonte. A minha sede é grande, mas sei que me engasgarei no primeiro gole e precisarei me resgatar de novo. A sede é grande, mas outras taças se apresentarão. 10 taças numa bela casa amarela murada e com flores vermelhas em seu pequeno jardim. Um lugar que me acolha com todas as luzes e sombras que eu sou. Um lar sólido e duradouro. Mas então porque o meu corpo se arde e me faz querer mergulhar nessa água suja? Não vejo a profundidade. Me adoece só de pensar em tocá-la, e ainda assim eu quero me afundar nela.

Preciso seguir em frente na minha jornada que se apresenta. Eu sou a minha melhor companhia, pois sei dos meus sonhos e erros, dos meus limites e acertos. Caminho em frente calçando esses preciosos sapatos de rubi que me levam para caminhos de acertos, para o meu lar. Sábios companheiros de viagem. Se eu os retiro, os perco. Me perco. Prefiro perder-te, pois até pouco era inexistência. Já não te darei mais acesso ao meu país das maravilhas, pois serás como o rei de copas invertido, desequilibrado. Você não pode me ter quando quer, como quer. Neste jogo eu dou as cartas e preciso colocá-las na mesa. Eu escolho que o meu fogo por ora se prenda, apesar de ouvir o teu chamado distorcendo-me as ideias. Dessa água não posso beber. Me recuso. Me escolho. Tchau obscuro espaço, talvez um dia eu retorne e estejas cristalino e, dessa forma, possa mergulhar em ti, com o meu canto hipnotizante encantando-te por completo.


terça-feira, 28 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - O tempo

 


Parte X 

O tempo me perpassa com a leveza do bater de asas de uma borboleta, voando aleatoriamente pelos céus e repousando-se em meus dedos, para logo partir. Não se pode ver e não se pode tocar o tempo para controlá-lo, não tem como prever seus efeitos caóticos. Ele apenas vai, independente dos nossos desejos e do que planejamos. E sem controle, pessoas também se vão e pessoas vêm. Que tenham uma boa estadia em minha vida e que quando partirem, que seja com boas lembranças e mais conhecimento de mundo. Que se tornem mais sábias e se abram para novos ciclos, mas levem com elas um pedaço de mim que lhes acrescentem algo. E deixem um pedaço delas em mim que me transforme, me adicionando novas camadas de um complexo eu, ainda em construção. Hac in hora sine mora.

Vejo da minha janela a sutil mudança das estações, um tempo tão familiar e corriqueiro que oculta a face dos movimentos do universo. O céu nunca é o mesmo e as suas movimentações tornam esse dia de inverno diferente do anterior e do que virá. Quem eu serei lá na frente? E quando eu me for, a lua estará nova como a dessa noite encoberta de nuvens? Ou cheia de sentimentos e ressentimentos por coisas não vividas?

A estrada se estende longamente, mas uma hora termina. Nem sempre ela é de tijolos amarelos. Mas seguimos em frente em busca do nosso lar. Esse lar, algum lar, que talvez não saibamos qual é, mas uma hora chegaremos e nos sentiremos acolhidos. Será que o fim terá algum propósito? O que teremos semeado pelo caminho? O que deixaremos pra trás? O que levaremos conosco?

Já se pegou pensando em como tudo teria sido diferente com apenas um sim? Ou com um não antes de tudo o que se passou? Como estaríamos hoje? Eu sinto que o sim e o não me tiraram de um lugar comum e agora percebo que tudo deveria ter sido como foi. Maktub.  Eu me sinto tão agigantada e te vejo lá do alto, se apequenando em silêncio e mágoas. Esse lugar já não me serve mais. Quero partir em paz, pois me sinto como a lagarta azul transformada em borboleta, voando aleatoriamente pelos céus e pousando em seus dedos, para logo partir. E quem é você?

O tempo tem esse enorme poder de fazer as engrenagens dessa grande roda girar. O que vai, vem. O que desce, sobe. O que inicia, termina. Não temos controle, mas precisamos de paciência para compreendermos esse processo que nos devora, não importa o que façamos. Ver-te ficar para trás, murando-se em seu abismo profundo, me trouxe a certeza de que consigo superar a sua ausência, pois o tempo cura as feridas e muda perspectivas. As chananas desaparecem e reaparecem, embelezando o meu caminho. Os girassóis murcham e renascem. Os pássaros fazem seus ninhos em meu telhado. Posso acompanhar esse ciclo, vendo os passarinhos aprendendo a voar enquanto entoam seus cantos ao amanhecer. E logo se vão e outros virão. E a vida não para, mas nós uma hora nos vamos também. Um dia Caronte vem cobrar o seu preço. Você está feliz com o que tem para quitar a sua dívida terrestre? 


segunda-feira, 27 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - Estrutura

 


Parte IX

Temos uma tendência na vida de não abraçarmos o novo. Uma certa passividade acolhedora que não nos permite caminhar nessa estrada que se apresenta. Isso nos limita tanto. A vida tem muito mais para nos entregar do que imaginamos e ficamos sempre presos àquilo que nos é familiar. Não é você apenas, mas sou eu também. Essa mudança precisa vir primeiro internamente. Como sair das experiências que nos afundam? Os traumas, os problemas, os medos, os contratempos, as opiniões cristalizadas, as autossabotagens, pensamentos que nos devoram? O que fazer com tudo o que vivemos? Às vezes as nossas bagagens pesam tanto que ficamos paralisados, com medo de nos abrir e deixar para trás o que não nos serve mais, ficamos sem espaço para o que ainda está por vir.

O tempo é relativo. Os dias se repetem e se auto devoram, exceto quando algum acontecimento nos tira um dessa rotina, uma pessoa, algo bom, algo ruim, algo. O tempo é lento e rápido, dependendo da perspectiva em que nos perpassa. E o seu ritmo é descompassado em cada um. Quando nos damos conta, nossa juventude já ficou para trás e o que construímos na nossa vida? Quais os nossos legados? Por onde estão as nossas raízes? Quais são as nossas verdades? Que sonhos saíram dos nossos rascunhos e pudemos vivê-los? Quais são os nossos sonhos?

O país da maravilha é confuso e estranho, mas nos faz ver o mundo por uma outra perspectiva. Quem somos nós? Às vezes somos gigantes, às vezes minúsculos. Nós somos tantos para todos e tantos em nós mesmos, mas somos únicos no universo que está acima de nós e dentro, se expandindo. Uma hora temos de sair da toca do coelho e adentrar o outro lado do espelho. Encarar o nosso reflexo e ver o mundo ao contrário, encarar as nossas sombras, se aprofundar no que se esconde do outro lado de nós que quase não acessamos. Nos curar das sombras encovadas em nossas mentes.

Precisamos nos permitir, abraçar o novo, testar novas águas, mas precisamos de cautela, tempo para maturar, mergulhar os pés e sentir a temperatura da água, pisar aos poucos para saber a profundidade, e só assim mergulharmos por completo nesse mar que guarda segredos que nos abrem para outros mundos mentais. Não há pressa, necessita-se temperança, mas há a necessidade de irmos além e perceber se aquele lugar nos pertence, se nos acolhe.

A magnificência da vida é que sempre podemos voltar ao nosso lar, nos retrairmos e tentarmos de novo. Sempre há lugar para renovação, para cura. Mas a vida não para. E se ficarmos parados esperando que algo chegue até nós, enclausurados em uma torre aguardando algum resgate, esse resgate não vem. A torre será derrubada pelas mãos divinas do nosso destino e reconstruir-nos-emos é um processo longo e cansativo, sempre haverão rachaduras e sequelas. Sors immanis et inanis.

Precisamos estar mais atentos ao sinal. Este é o seu sinal. Caminhe até o jardim e sente-se no gramado entre as folhas e flores, feche os olhos e sinta o seu redor. Respire e ouça os sons que te rodeiam, a gargalhada das crianças, o som dos carros, dos pássaros, do vento, das conversas, do seu corpo. Sinta o cheiro da cidade, da maresia, da grama. Sinta o sol queimando a sua pele e as plantas te tocando, os insetos pousando em sua pele, a brisa do mar que te refresca. Sinta-se, perceba-se, converse contigo, veja o que o seu olho interno te mostra, quais imagens que te vem à mente, aproveite o silêncio, ele diz muito. Em seguida retorne aos seus afazeres, mas anote os seus insights. Se entenda, conecte-se contigo. Não com a frieza de uma mente racional, mas dentro daquilo que a sua intuição te diz. Construa novos lugares internos e externos. Permita-se! Você tem o seu mundo em suas mãos e ele se estende para aquilo que você quer, o que você atrai, o que você busca. Seja feliz e que a sua caminhada te leve a lugares abundantes. Te desejo todo o amor do mundo. Saia desse abismo em que você se recolheu e construa, semeie, colha, se espalhe como pólen pelo ar, enraíze-se na sua caminhada e dê frutos. Cresça e fortaleça as suas estruturas. Eu te quero muito bem. Te quero sempre. Se cuida.

domingo, 26 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - Parceiros

 


Parte VIII

Pense em como você estava há 1 ano e se veja agora. Você é a mesma pessoa de outrora? Eu não. E sou ainda mais diferente de quem eu era há 10 anos. E não há nada de linear nessa caminhada. Em um momento estou no topo e em seguida estou no fundo do abismo, pois a roda sempre está girando. E o mais fantástico é o poder das escolhas e os caminhos que elas nos abrem, como multiversos de possibilidades. Às vezes uma palavra dita na hora certa ou errada pode mudar o curso de toda uma história, mudar drasticamente a vida de alguém. Às vezes, ao estender uma mão a alguém, você pode elevar a vida dessa pessoa, ou ela pode derrubar a sua, te puxando para baixo, como uma gangorra. Mas o que importa é saber do enorme poder que temos de nos alavancar, muitas vezes sozinhos, muitas vezes com as pessoas ao nosso redor nos ajudando, muitas vezes sendo essa ajuda. Mas qual papel você exerceu em minha vida: o que me levantou uma ou o que puxou para a queda? Ainda não sei definir.

O eu de hoje observa o eu de ontem se sentindo tão pesada e fragmentada, e percebo como faltava em mim direcionamento, entendimento sobre as coisas que me rodeiam – mas ainda entendo a minha pequenez diante de todas essas coisas e sei o quanto ainda posso aprender. Não tenho todas as respostas, mas talvez agora eu consiga enxergar um pouco mais além da névoa e entender melhor essas figuras distorcidas que os nossos olhos humanos mal conseguem ver. O mundo é velho demais para a nossa breve existência e deveríamos tentar absorver o máximo possível desse lugar, mas como um, como parte dele. Da terra viemos e para a terra iremos. Não há dissociação. Pesamos ou flutuamos? Deixamos um rastro de destruição ou construímos um lar que nos acolhe neste tempo-espaço em que vivemos?

Agora eu me vejo caminhar nos belos campos de papoula e sentir o sol iluminando o meu corpo, sábio e energizante, me acolhendo em seus raios que me perpassam com as suas gotas divinas. Eu caminho sozinha, mas levo comigo toda uma bagagem de aprendizados e posso percorrer esse caminho que me leva além do horizonte. Ainda tenho tanto para percorrer e sinto que deixo um peso para trás. Agora, sou a pluma de uma coruja, deixando-me levar pelo vento, vento querido, que me sopra gentilmente como a brisa marítima que se adentra em sua janela em dias de verão.

Aprendi nesses tempos conceitos sobre alma gêmea, chama gêmea e relacionamentos cármicos. Ninguém passa pelo seu caminho por um acaso, abrace as pessoas da sua vida, faça trocas e quando for o momento, se necessário for, deixe-as ir. E tudo bem. Entramos na vida um do outro pois necessitávamos. A sua passagem me fez abrir os olhos para outros horizontes, eu te agradeço tanto por isso. E hoje me considero um pouco mais sábia, eu necessitava de você e agora entendo um pouco mais os motivos. Eu sinto muito que você tenha escolhido ficar para trás, eu tentei tanto poder caminhar contigo. Mas a pessoa que te atraiu era alguém que estava tão perdida, eu já não me sinto estar naquele lugar. E sinto que já não vibro mais na mesma frequência caótica e perdida de antes. Mas eu não sei de você, amurado em sua solitude orgulhosa e cega. Já não consigo mais te acessar e tenho outros lugares que preciso estar. Eu caminho segurando a tocha que ilumina o caminho dourado que se apresenta a mim.

E eu atraio abundância e sabedoria. Eu atraio iluminação e prosperidade. Eu atraio amor em tantas outras formas. Eu me sinto repleta, pois amor emana de mim, amor pelos meus familiares, pelos meus colegas, amigos, pupilos, pelo velho, pelo novo, por você, por mim, pela natureza ao meu redor. Me sinto magnética e as peças parecem se encaixar melhor agora que saí da toca do coelho. Michi quoque niteris.

Sabe o que é uma alma gêmea? São pessoas que nos alinhamos em missões. Existem várias que passarão pela nossa vida e nos farão tão bem que cresceremos juntos com elas. Pode ser um dos seus pais, seu melhor amigo, um colega de trabalho com quem você tem um relacionamento muito harmonioso, um relacionamento amoroso, um professor que te fez abrir a mente para outros mundos. Pode ser todos esses, inclusive. Almas gêmeas entram em nossas vidas com o intuito de nos elevar. E elas sempre voltarão para terra conosco para nos reencontrarmos e nos ajudarmos a caminhar. Às vezes elas vão embora, às vezes elas ficam até o gim.

Já uma chama gêmea é exatamente o que definimos como a nossa outra metade, a nossa polaridade feminina ou masculina. Fomos criados juntos no mesmo fogo divino e separados com a missão de nos encontrarmos de novo. Podemos nos reencontrar de tempos em tempos nas nossas passagens por esse mundo. Mas precisamos estar preparados para esse encontro. Chamas gêmeas nos tiram do nosso conforto e nos elevam, mas é como a torre, destruíndo as estruturas que nos aprisionam. Só existe 1 pessoa que é a sua chama gêmea e talvez você ainda não a encontre nessa vida, talvez ela ainda esteja a caminho, talvez ela já se foi. Mas saiba que o que ela traz é harmonia e grandiosidade, é se reconhecer no outro e sentir completude, é alguém que te dá certeza de algum propósito. É uma parte de ti. Assim falou Aristófanes.

E uma relação cármica é alguém que é designada para passar pela sua vida para equilibrar os seus carmas. A passagem dessas pessoas te abala completamente, é intenso, é avassalador, é uma paixão que te tira de você mesmo e depois de te transformar, se vai. Mas você já não será mais o mesmo. Eu te reconheço muito mais aqui. A sua passagem me transformou. Agora eu aceito que era para ser exatamente como foi, pois eu precisava de você naquele momento. Não foi um acaso. Afinal, de todas as minhas histórias vividas, a sua breve passagem me tirou de um buraco em que me enfiei para me trazer até esse espaço, observando o arco-íris após a tempestade, e de longe visualizo o verde esmeralda que me atrai. Eu sigo além dos campos de papoulas para chegar lá, sabendo que tenho coragem, inteligência e um coração enorme me acompanhando. E todas as possibilidades que esse horizonte me abre.

Espero um dia te reencontrar nessa caminhada e poder te abraçar e dizer o quanto você me fez buscar dentro de mim uma força que esqueci que tinha. Mas o mérito é todo meu. Já bebi do seu cálice e me saciei, foi um sabor agridoce que ainda permanece em minhas pupilas gustativas. Mas preciso seguir em frente, tenho um longo caminhar, talvez ainda tortuoso, talvez ainda cheio de pedras, talvez com novos abismos, talvez com velhas árvores frutíferas, grandes oceanos profundos, tempestades. A vida não é feita apenas de dias ensolarados e caminhos floridos.

De ti levo esse grande amor por dentro e a saudade das belas trocas que tivemos. Mas saiba que o caminho é livre até mim e não fecho portas nem me escondo em muralhas. Eu abarco, você repele.


sábado, 25 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - Horizonte

 


Parte VII

Eu já não te sinto mais. Eu procuro me religar a você, mas a nossa conexão foi cortada desse fio prateado que me prendia a ti. Você vibra tão baixo que te observo no abismo, estagnado. Eu preciso sair desse lugar e já não mais descer para poder me reencontrar contigo. Tudo está aparentemente bem em minha vida, mas a sua energia ainda me paralisa e preciso me apegar às boas memórias para fingir que nossa história foi mais do que algo efêmero e fugaz. É você, é sempre você, que me assombra os pensamentos fazendo-me sentir que algo não se encaixa, quando todas as peças estão postas à mesa. Você é a peça que não se encaixa e agora eu tento ver que você não faz parte daqui.

Eu te vejo no fundo do abismo não porque você não queira subir ao topo, mas porque você pesa. O seu coração de chumbo te impede de subir e te vejo confortável ali, ignorando a minha árdua escalada. Você me atraiu até esse lugar e percebo agora o quanto tive de descer tão baixo para te encontrar. E quando já não te servia, você se adentrou para esse rochoso local murado, enquanto eu me impedia de voltar para a superfície. Lamento tanto por ti, que se esconde nas sombras para evitar que dias melhores venham. Que procura justificativas para o seu distanciamento camuflado de intelectualoidísmo e experiências amargas, ignorando que cada pessoa carrega um mundo nas costas e existem outros caminhos trilhados que não te levam para o mesmo lugar que você já encontrou antes de mim. Você não precisa rolar até o topo da montanha uma pesada rocha, apenas para vê-la cair de novo. E de novo. E de novo, Sísifo. 

Preciso enfim alcançar o topo e me deitar nos campos de papoula, imersa em uma névoa inebriante que me torna sonolenta e opiosa, e olhar além do arco-íris para seguir em frente nessa esplêndida aurora. Mas como me desapegar de uma promessa de algo que parecia tão alinhado comigo? Quem virá depois de você, afinal? Ou precisa vir alguém, quando tenho tanto para me acalentar na noite sombria da minha alma, e tomar o seu espaço?

E eu me volto para ti e percebo o quanto deixei de lado algumas convicções para te agradar os desejos. Um fragmento de mim ficou no topo do abismo e abracei sombras que acreditava já superadas, inebriada por seus doces sussurros de erotismos que me puxavam mais para o fundo do seu abismo. Preciso sair daqui, pois este espaço já não deveria mais me interessar. E uma hora terei de expulsar as sombras e buscar no topo do penhasco juntar as minhas peças que deixei de lado em troca de aceitação, afinal de contas sinto que apenas parte de mim foi acolhido aqui. Mereço alguém que me abarque toda. Existe uma frieza oca em seu peito que me machucou, atravessada por sua afiada espada. E eu gritando como Eco ignorada por Narciso, em busca da minha própria voz, me permiti acolher-me numa caverna avistando apenas as sombras mundanas que me elucidam os sensos, tentando me encaixar numa história fadada a um epílogo contemporâneo e banal.

Mas não se engane, te amarei e carregarei a sua lembrança para o resto do meu caminhar além do horizonte. E eu sinto muito, pois não posso te tirar do seu abismo se aí você escolhe estar, pois esse local já não me acolhe mais, já não me reconheço aí, já não sou mais a mesma, metamorfoseando-me e me ramificando entre as múltiplas que sou e estou. Eu já não mais me reconheço naquela que te mostrou os medos que me apavoram, esperando acolhimento. Existe algo de perverso nesse seu olhar cortante que me destruiu. E eu te perdoo por ter me ceifado dos seus braços em busca de alguma solidão que você chama de falta de comprometimento. Todo o belo fascínio que tenho por ti afoga-se em minhas águas internas para ser transformado em ondas que vêm e vão em minha mente tempestuosa, quando poderia estar em águas calmas, flutuando nesse cristalino mar que espelha o céu. Eu te perdoo por ter me causado esse maremoto interno de um Netuno enfurecido, pois daqui eu fui me aprofundando mais em minhas facetas e redescobrindo talentos adormecidos, me conectando a forças que julgava perdidas, domando esse selvagem leão que me conecta com algo de feral em mim. 

Eu te amo, pois você veio até mim em um momento confuso e  me ajudou a ver outros ângulos da minha caótica história. E eu sei que a minha mente confusa neste solstício de verão, de paixões desoladoras e errôneas, te atraiu como feromônio, como uma abelha pousada em um girassol em busca de néctar  para saciar a fome de alguma experiência relevante. Eu sei que fui significativa para você e que você quem decidiu se vendar e se armar com sete paus para defender a sua visão idealista da sua vã filosofia de vida, pois você parece afastar qualquer laço que te acolha, repleto de julgamentos afiados, como se fosse o meu juiz, me tornando inapta para estar em sua vida. Encaixotado em um isolamento que te paralisa.  Eu te vejo se autodestruindo sem raízes para fincar no chão e se nutrir.  Sors immanis et inanis.

E eu te perdoo enquanto subo esse seu abismo te deixando para trás, de mãos vazias. Outras virão até ti, mas quantas serão como eu? Depois de mim o que será que vem? Quem fará a sua roda girar e te fascinará, repleta de conhecimentos de mundo e referências que se encaixam em nossas trocas? Seus parâmetros são outros, agora que advim em sua vida? Os meus são, depois que me cruzei com você. Você se dá conta disso? E eu seguirei a minha jornada em busca de mais peças que me completem e se encaixem, semeando nesse caminho bons frutos para me enraizar em terra firme e farta. E me verei florescer, assim como as chananas em meu caminho, saindo dessa terra árida para onde você me conduziu, me abandonando.

sexta-feira, 24 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - A felicidade

 


Parte VI

O que é a felicidade que tanto perseguimos? Seria algo palpável? Seria algo duradouro? Felicidade foi estar em seus braços nos dias mais longos. Mas também é ouvir palavras amáveis de reconhecimento por pessoas que acompanham nossa múltipla jornada cotidiana. Felicidade é observar a beleza ao redor, estar no momento. Felicidade está no propósito de vida sendo cumprido e saber que estou fazendo alguma diferença na vida das pessoas. Sou fagulha que se espalha, iluminando alguns caminhos. Todos somos. Mas se dar conta disso é estar em contato com a felicidade interior.

Mas a felicidade é cíclica. A roda gira. A mente passa por fases. A vida passa por momentos certeiros de caos, como 8 flechas a caminho, sem distinções de estados e estações. Felicidade é um estado mental, é um emaranhado de sentimentos, é reconhecimento interno e conhecimento externo do que nos rodeia. É o apoio de quem nos cerca, o abraço materno que acolhe, um almoço caseiro de domingo, uma música que nos faz querer se levantar e dançar. É cantar e cantar e cantar! É olhar para o outro e ver um espelho e se sentir acolhido. É uma conexão mental tão forte que te tira da apatia. É novas descobertas. Novas músicas, novos filmes, novas histórias, novas pessoas. Mas também o velho, o nostálgico, ver algo e viajar mentalmente no tempo, para outra época e sentir uma gostosa saudade. Pois felicidade já foi e também será.

É gargalhar, é uma boa conversa, sentir prazer nas palavras, entrelaçar os corpos em uma gostosa soneca, seu cheiro, seu sorriso, despertar abraçada. É o som do mar da sua janela, observar as ondas que vem e vão e a lua refletida nas águas, sentindo a brisa do mar e ouvindo a cidade calma e tranquila.

É o ronronar dos gatos, o abanar do rabo dos cachorros, o som dos pássaros, os girassóis no jardim. São as sazonais chananas que me cobrem o caminho de flores, mesmo sabendo que elas irão desaparecer e retornar. É observar as aranhas tecendo as suas teias, os besouros metálicos nas folhas, as abelhas nas flores, as borboletas amarelas no ar, o trabalho colaborativo das formigas. A vida minúscula ao nosso redor que tanto desprezamos, mas é a natureza seguindo independente de como estamos, da política do mundo, de níveis sociais. É a natureza em essência. Essa essência que engarrafamos e nos permitimos sermos tomados por egos que nos impedem de ver a felicidade acontecendo ao nosso redor, pois estamos tão voltados para o que precisamos acumular para uma suposta felicidade materializada, que esquecemos que a felicidade está bem ali, nos acompanhando no detalhes cotidianos.

Eu fui feliz contigo, imensamente. Mas sou feliz aos poucos a todo instante, em tantas pequenas coisas. E te ofereço essas pequenas felicidades cotidianas, pois agora entendo que são esses pequenos momentos que nos mantêm bem. Não o sentimento grandioso que explode por dentro, mas o instante que nos perpassa tranquilo e nos faz observar o pôr do sol que acontece todos os dias, mas que ainda assim enche nossos olhos da mesma beleza exuberante, sempre, como se fosse a primeira vez, para em seguida sermos mergulhados nessa escuridão iluminada pela mística lua e tantas estrelas, tantas supernovas, brilhando imensamente fascinando-nos cheias de mistérios e traçando nossos destinos nesse universo de possibilidades.

Você sobe comigo esse abismo em que escolheu se esconder, aliviando o peso da sua solidão travestida de paz, ou terei de finalmente cortar esse fio prateado que me prende a você? Pois te ofereço os meus braços que te trouxeram felicidade outrora ou te vejo ficar para trás e encaro esse horizonte que se apresenta, cheio de obviedades e surpresas. E poderei ver a beleza das pequenas coisas que me trazem felicidade. Com você, só comigo ou abrindo caminhos para o que ainda vier, pois a vida segue e o novo sempre vem. Nunc obdurat et tunc curat.

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - Colheita


Parte V 

Escutei de um sábio andarilho que pessoas certas não fogem, elas ficam. Me peguei questionando sobre a predestinação das coisas e pessoas. Será que apenas existe o acaso das coisas? Meras coincidências? Será que existe algo pré planejado em algum plano astral? Ou precisamos apenas seguir com as nossas vidas e esperar a morte bater em nossas portas para adentrarmos em um eterno vazio, inconscientes de tudo o que acumulamos em vida? A vida importa? Devemos nos segurar no extraordinário agora acumulados de experiências passadas apenas seguindo para o inevitável?

Talvez isso tudo possa soar como contradições. Mas o que seria da vida sem questionamentos? O que nos moveria senão a fagulha do entendimento de como esse vasto universo que nos expande funciona? Ser ou não ser? 

Me sinto metamórfica em minha jornada, tentando me conectar com a Sibila interna, buscando entender sobre o que se foi, o que será e o que poderia ter sido. E se? Mas as coisas agora apenas estão (passageiras como sempre) e o que se passou toma um pedaço de mim, injustamente. Todos os ciclos finalizados em que me penduro, esses anéis conectados se emaranhando em meus pensamentos, me tornam imensa por dentro, mas desconectadamente me direcionam para vários cenários do que poderia ser e não foi. São as peças de um grande quebra cabeça que se encaixam pacientemente, mas algumas delas se perderam nesse tempo-espaço que se expande em minha existência fugaz. Quem sou eu no meio de tantas vivências que me perpassam? 

Me sinto às vezes vilanesca em minha própria vida, auto sabotadora, auto centrada talvez. Mas eu apenas sigo a vida em seu percurso tortuoso, tentando me encaixar nesse mundo estranho. E o tempo me carrega em ondas cíclicas que me afogam e me devolvem para a superfície, me sufocando e se adentrando em meus pulmões, pesando. Que as águas salgadas levem de mim esse pesar e me faça flutuar em águas calmas.

Cronos continua batucando como as batidas de um coração, bombardeando vida, mas contando em cada batida a aproximação da morte. Cada dia me aproximo mais desse fatídico destino, a única certeza que tenho. Descerei como Perséfone ou subirei como a amada dantesca Beatrice? Ou apenas deixarei de ser, como supernovas, tornando-me apenas um buraco negro na história desse planeta corruptível, tornando-me um túmulo desgastado enquanto os meus restos se transformarão em pó, desaparecendo no vento sussurrante? Será que o vento sussurrará o meu nome em seus redemoinhos, adentrando os sonhos dos andarilhos de minha vida?

Me sinto só em meio a tantos bilhões nessa Terra estranha. Nada me compele, ninguém me atrai nesse momento lutuoso. Sigo fantasiando sobre o que se foi, pois a minha mente floreia o que tivemos, como chananas em meu caminho. Mas as chananas são sazonais, o caminho logo será coberto de mato e lixo e talvez não encontre mais beleza ao meu redor. Mas sei que o canto dos pássaros sempre me despertará para mais uma breve jornada diurna, me lembrando de meus afazeres. A vida não para, independentemente de como eu esteja. Não, não existem tréguas, a vida segue cheia de repetições até que tudo se acabe e percebemos a brevidade de estar aqui, despertando e dormindo enquanto a vida passa nos deixando reflexões sobre o que ficou para trás. E que destino triste deixar em nossos caminhos pessoas que nos adicionam tanto em troca de momentos fugazes. Mas somos responsáveis pelas nossas escolhas, sendo destinado ou não. Existem caminhos escolhidos e devemos encarar as consequências, sendo a colheita boa ou ruim. Estamos sempre semeando em nossas caminhadas e em algum momento a foice colherá de nós os frutos.

E eu quero apenas seguir adiante, subir esse abismo para a ponta do penhasco e apenas observar o horizonte. Essa escalada me pesa tanto que às vezes desejo apenas cair e me afundar nesse mar de lágrimas sabendo de tudo o que poderia ser e não é, impedida de ver o que será agora que o pêndulo aponta para outros caminhos. Eu me vejo tão abundante em minha jornada, ramificando-me em tantos, tão elogiada, vejo-me indo além do meu quarto e sala para a porta afora, iluminando mentes que em mim buscam sabedoria. E me pego ainda assim deixando palavras cortantes me conduzirem, ignorando fatos. É você, é sempre você quem me coloca as vendas e crava o meu coração de espadas, tão tolo em si mesmo em busca de uma calmaria inexistente nas mentes tumultuosas de um mundo adoecido e agitado. Você, estagnado em seu caminho tortuoso em busca de algo que não vem, você também precisa deixar tantas coisas para trás e se envolver em um abraço que te acolha e te entenda antes da sua colheita. Quais frutos você tem plantado? Talvez não tenhamos salvação e estejamos nos destinando a uma vida vazia. Ou talvez eu não, eu tenho tanto amor para dar e tantas portas para abrir ainda, eu sou um marco para tantos, a suma sacerdote empunhando o dourado ensinamento, confortando, alcançando potenciais e expandindo-os, colidindo com universos outrens, adicionando novos caminhos para além do arco-íris em quem vem até mim, e isso é tirar as vendas e entender o que se mostra diante de mim, dos meus pupilos que me abarcam em suas doces palavras de admiração. Ao menos uma parte de mim faz parte dessa bela jornada que eles seguem. Afinal, eu sou tantas multiplicando-me internamente. Sou legião. Sou multifacetada. Sou um universo inteiro repleta de camadas. Eu sou e estou, passageira nessa confusa vida. Te convidando a me acompanhar nessa insana jornada.

E quem é você? Obumbrata et velata.

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - Temporal


 

Parte IV 

 

O solstício de inverno chegou. A noite mais longa do ano. Isso me traz na memória que te conheci no solstício de verão. Dias mais ensolarados. Eu, quebrada. Todas as minhas peças estavam fora do lugar, precisava encaixar as minhas confusas ideias e deixá-las calcificar. Você olhou o meu caótico abismo mental e decidiu partir. Eu ainda escalo para fora do seu abismo e pareço alcançar a terra firme e ensolarada, mas meus pensamentos ainda pesam em ti, e caio. Minhas mãos não suportam o peso do meu corpo. Eu as quebro e preciso tentar colocá-las no lugar novamente. Algo não encaixa e fico tentando rearrumá-las. Acho que alguma coisa se perdeu no caminho. E isso me faz retornar, desfazer, refazer, na esperança de finalizar esse quebra-cabeça.

Me sinto como o louco me jogando nessa jornada em busca da sabedoria. Mas estou presa em uma torre e a escuto ruir. Me jogo mesmo assim ou espero tudo desmoronar? Você foi o meu lar de veraneio, eu ainda sinto esse calor que me aquece o corpo emanando do que tivemos. O barulho do mar adentrando a sua janela ainda ecoa em meus ouvidos como se estivesse carregando uma concha marinha, levando-a comigo para os confins da minha mente. Mas agora o inverno chegou e os dias ensolarados ficaram para trás, e sinto os meus pés congelando, tornando tão difícil caminhar. Estou pendurada nessas pedras, me equilibrando neste fio prateado que me prende a ti. E já tentei cortá-lo, mas sinto que ao fazê-lo uma parte de mim desfalecerá. Corde pulsum tangite.

Eu sei que o seu cálice já não sacia mais a minha sede e eu preciso virar as costas em busca de outros horizontes. Mas me apego a reminiscências de ti com medo da falência dos meus sentimentos me tornando apática e tornando-me numa estátua de sal para o que ainda se encontra na minha caminhada. Sei que mesmo virando as costas e seguindo em frente, ainda assim carregarei todo o amor que tenho pelo que vivemos, ainda que compartimentalizado ou sufocado em um profundo oceano interno. Espero que me traga a leveza das asas de Eros e não a confusão mental de Psiquê. Entretanto agora pesa como um dez de paus. Espero que seja o fim dessa provação de fogo. Mas por ora te espero. Espero, pois esperança é o que Pandora conseguiu salvar na sua caixa de destruição. Algo ainda não foi destruído. Então continuo subindo até o topo na esperança de que você escale esse abismo comigo. Será que consigo alcançar o topo? Ou devo me jogar, como Ismália, me perdendo de vez em um mar de lágrimas, assim como Alice? 

Talvez me contentaria com respostas, mas o que encontraria atrás da cortina? Dentro de mim, nesse coração cravado por espadas, eu sei que é você, sempre foi você. Você não soube ver além do redemoinho a estrada de tijolos amarelos. O campo de papoulas está lá ao fim da jornada. Eu poderia ter sido o seu lar. Posso, poderei, fui, sou, seremos, somos, éramos. Cíclico. Temporal. A chuva que cai na minha janela e me relembra que a temporada de sol já se pôs. Mas nasce o sol. De novo. De novo. De novo. E não dura mais que um dia. Até que o solstício de verão retorne novamente com o dia mais longo. Como poderíamos, como podemos. Como a fortuna correndo em campos de girassóis e ainda assim colidindo com esse muro em que você se cercou. Tento arrancar pedra sobre pedra para chegar ao outro lado do mundo e me conectar com a água sussurrante em meus sonhos, com o vento, vento querido que carrega encantamentos em seus redemoinhos, com a terra letrada em sigilos, com o fogo que acinzenta o seco e fertiliza as chananas., com a casa amarela murada. Contigo.

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - Manifesto


Parte III

Eu te manifesto no vento que sacoleja as palmeiras em meu jardim. Vento, vento querido. Eu te manifesto no fogo que transforma as ervas em enxofre e nutre o gramado que aterro os meus pés descalços. Eu te manifesto na água que absorve a luz da lua e me conecta com a minha sagrada força interna e na água que absorve a luz do sol que me ilumina a mente e me magnetiza. Eu te manifesto nas palavras enterradas em meu jardim, que florescem lentamente. Te manifesto nos quatro elementos, na celebração de um quatro de paus, nas horas repetidas, no 11:11 do meu relógio que me chama, nas estações que perpassam a minha vida repetindo o cíclico tempo que me envelhece. Eu te manifesto cravada de pedras, entoando cânticos que me alimentam a mente centrada. Eu te manifesto besuntada de mel e canela, banhada de rosas vermelhas, hibisco e jasmim. Eu te manifesto no éter, me encontrando contigo em sonhos, acessando a sua mente dispersa, remoendo alegrias e decepções. Te manifesto como um portal espelhado, iluminado por uma luz vermelha, te chamando e te convidando. Te manifesto como Hermes percorrendo livremente os mundos. Do inferno abismal que me fecha em dúvidas e escuridão ao paraíso que me ilumina a mente e torna as minhas manifestações reais. 3-6-9. GVN. Te busco no mundo do meio enquanto a minha alma sobe ao céu ou joga-se ao mar, sendo transportada para o fundo de um oceano obscuro e comprimido. Sussurro minhas mensagens ao vento que espalha-as em redemoinhos desarranjados. Você me escuta? Você me sente? Você ainda pensa em mim? Ou minhas palavras são como Eco, indo e voltando, me atingindo e tornando-as incompreensivas na jornada até a sua janela, ou do outro lado do espelho? Ou seria tudo apenas um jogo de xadrez, eu avanço, você recua? Eu perseguindo o seu rei de espadas enquanto você derruba a minha rainha de paus. Xeque-mate?

Te manifesto, mas te sinto distante, solitário, perdido, confuso. Nossas almas parecem penar entre o labirinto que caminhamos, buscando saídas, querendo partir o fio que nos conduz. Corpos solitários que se entregam a um momento de êxtase e se esvaem roubando energias alheias. Corpos que se perdem em vícios e mentiras que nos contamos para justificar nossa solitude. Corpos que parecem vibrar em outras frequências e não se sentem mareando nesse mundo por águas tranquilas. Somos tempestuosos em nossa apatia. Buscamos na individualidade alguma conexão com algo subliminal, mas o corrompemos. A distância a que nos entregamos enfraquece nossa energia vital. Sofremos e a vida parece caminhar por linhas tortuosas, e não entendemos bem porquê.

Te manifesto, pois preciso entender esse vazio existencial que me arrebata. E sinto intentar cada vez menos a sua passagem em minha vida. Sou um ser completo em mim, mas me sinto ainda presa a esse fio prateado que se tece em meu caminho até você. Conectados. E estar só já não me satisfaz, pois a minha mente retoma os meus pensamentos em manifestações de ti. Você me manifestou e agora me repele. E eu subo esse abismo sem conseguir te deixar para trás. É pesado carregar esse fio que me prende a ti, tensionando e me gravitando de volta. Minhas mãos congelam e os tendões se partem. Estou paralisada enquanto procuro escalar as rochas cinzas e afiadas. Me jogo ou sigo em frente? Não sei. Queria mesmo que você seguisse esse caminho para o topo comigo, equilibrando a subida.

Queria vislumbrar um futuro mais ensolarado, mas me contento com os girassóis que florescem no meu jardim, absorvendo essa luz que nos aquece e trazendo beleza aos meus dias melancólicos. Eu caminho pela neblina observando as ervas que vencem o concreto da urbanização e invadem as calçadas entre as suas fendas. A natureza sempre acha um jeito. Mas somos nós os antinaturais, autodestrutivos, desalinhados. Podemos arrancar a natureza que nos cerca, mas uma hora as chananas se espalham e cobrem nossas caminhadas de belezas e já não tem mais porque arrancá-las como ervas daninhas. Observemo-las enquanto o mundo colide com um futuro que nos despedaça. Um dia seremos a terra que nutre as flores e seremos julgados por termos desperdiçado chances, como dois tolos colhendo narcisos e encarando a nossa própria imagem, enamorados por nossos próprios egos e afundando-nos, como uma Ophelia rio abaixo, enlouquecidos pela solidão que nos cerca, nos distanciando de uma fagulha da essência engarrafada em nosso ser. Que possamos nos reencontrar ainda nesta vida, enquanto o ar nos enche os pulmões. Ludo mentis aciem. Não quero mais ser queda, quero estar serena em minhas escolhas, flutuando na luz solar, enamorada contemplando-te ao meu lado, seguindo para a beira do rio, para a beira do abismo, para a terra firme e segura, aterrando-me os pés enquanto colho papoulas em meu gramado.

Reflexões não solicitadas - Abismo

 


Parte II

Há um tempo tive um vislumbre do que nosso futuro poderia ter sido. Te vi sentado na mesa da sua sala, lendo um livro e usando óculos, você um pouco mais velho e os seus cabelos um pouco mais grisalhos e curtos, você estava pelado, tomando um pouco de café e comendo uma fatia de pão amanteigado. Os aromas me tomavam o olfato do café recém feito e da manteiga derretendo no pão ainda quente. E você imerso na leitura, percebeu que eu me aproximava para me juntar a você, então me olhou de forma severa e sorriu.

Eu então me sentei à mesa e te encarei apaixonada, observando você terminar um trecho do livro. Você o fechou e repousou-o sobre a mesa. Conversávamos em meio a mordidas e goles, debatendo, gargalhando. Uma felicidade simplista que nos parecia suficiente.

Me vi sentada em sua cama folheando um livro enquanto você mexia no computador, ouvindo uma playlist mista com músicas minhas e suas - agora nossas. O sol adentrava a sua janela e você logo se juntava a mim e tomava o meu livro das minhas mãos, colocando-o em sua escrivaninha e me beijava enquanto suas mãos passeavam em meu corpo, e fazíamos amor.

Vi a gente se mudando para um bairro pacato por aqui. Uma casa murada como você queria. Um espaço nosso. Guardávamos os móveis dentro da casa, tirando juntos do caminhão de mudanças. Era uma casa amarela com um pequeno jardim na frente com flores vermelhas, o muro era acinzentado com sulcos pintados de vermelho terra. Me lembro de te ver carregando uma caixa recém tirada do caminhão e olhando para mim sorrindo, empolgado com essa nova empreitada, me beijando rapidamente no caminho até a porta de entrada.

Minhas visões suas agora são sempre desse homem isolado, inalcançável, escondido em um abismo rochoso, rancoroso, guardando ressentimentos envolta de orgulhos, se privando de fazer o que quer por teimosia, ambíguo em seus sentimentos sem entender o que sente, fadado ao esquecimento e irrelevância. Você me dizendo em sonhos que quer estar comigo, apenas não quer estar aqui agora. E eu tentando reconquistar o meu lugar em seus braços, incapaz de seguir em frente, ainda presa em sua frequência, descendo nesse abismo tentando te resgatar de alguma forma.

Te vejo sempre frio e perdido em sua mente cravada de espadas que te fazem estar pregado ao chão, sem conseguir tirar essa venda que você colocou em seus olhos. Mas estar nesse estado é uma escolha sua e tirar essas espadas das suas costas é uma tarefa árdua, mas aliviante, se assim você o quiser.

Está na hora de você embainhar as espadas e ligar a tocha para te guiar para fora do abismo. Beber do cálice a força vital que te fará ver além dessa névoa em que você se esconde, ouvir o que os seus sentimentos te dizem com clareza e escolher o caminho que te tirará essa sensação de apatia e ressentimento.

Espero não te ver mais sentado empunhando uma espada, preso em sua mente afiada, se perdendo em seus pensamentos analíticos e se esquecendo de saciar o seu corpo de água e fogo. Eu espero que você se permita e que o futuro que eu vislumbrei se concretize, pois o caminho que você escolheu é ainda confuso e estranho. Seu caminho, sua escolha, mas que não sei te dizer se te cravejará ao chão impossibilitando-o de vivenciar mudanças significativas, ou te tornará verdadeiramente livre de alguma convenção que te apavora, algum código de vivencia não-convencional que tem te trazido o que. Uma hora a serpente deverá morder o seu próprio rabo percorrendo a infinidade da predestinação. Se não nesta vida, nas outras por vir. Mas dessa forma apenas acumulamos carmas, deixamos de cumprir promessas, nos perdemos em propósitos vãos. Duas almas interligadas entre a bestialidade e o mítico, tendo o fio das nossas vidas tecidas na roca, na dança astral que nos revela quem somos e entrelaça nossos caminhos. Não há acasos, mas há escolhas. Velut luna. Decifra-me, ou te devoro!


domingo, 19 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - Chananas


Parte I

Certa vez em uma conversa com um conhecido, percebemos como minha mente vive em um eterno saudosismo e como tenho dificuldade de ver as boas energias do maravilhoso agora. Meu momentâneo é sempre enfadonho e empalidecido diante da fragmentada face da memória. As peças que a minha mente parece acessar é cheia de um brilho mais glamoroso do que o instante presente. Estou sempre querendo retornar a certas sensações enquanto me encho de apatia pelo presente que me perpassa. Desde brilhantes conversas que me abrem portas para outros mundos, descobertas de novas músicas, ver um filme incrível pela primeira vez e perceber que ele se tornaria relevante para o resto da minha vida, frequentar espaços que já não tenho acesso, estar entre amigos que agora seguem outras jornadas, estar em relacionamentos que são compartilhados momentos tão únicos e que ao terminar, sei que não poderei retomar esses singelos momentos. Até mesmo a solidão mergulhada em conhecimentos, repaginadas na rotina que me trazem novos hábitos, estudos que adicionam camadas ao meu conhecimento de mundo, fazer nada de forma prazerosa e sem a culpa da procrastinação, essas coisinhas inundam a minha mente com uma nostalgia melancólica e alegre. Minha mente está sempre retornando a esses momentos e desprezando a passagem deles enquanto acontecem.

Hoje me peguei observando as pequenas coisas que me dão prazeres diários. O som dos pássaros na minha janela, o cheiro do incenso em meu quarto, a água quente percorrendo o meu corpo e me relaxando enquanto me banho, as borboletas e abelhas pousando nas chananas que tem crescido por todo bairro, o cheiro dos jasmins que colho e coloco no vaso amarelo do meu buffet, o ronronar dos meus gatos deitados ao me redor e todo o amor que recebo deles, os elogios que recebo dos meus alunos que me enchem de satisfação e alegria, as risadas que dou com a minha equipe e o companheirismo deles, o prazer em servir uma boa comida ao meu irmão, fazendo experimentos culinários, o sabor da minha comida temperada do jeito que eu gosto com os ingredientes que para mim fazem o diferencial, os sonhos cheios de simbolismo que tornam-me pensativa sobre os seus significados, a bela pintura do cosmos postada por uma talentosa amiga, ou aquela pintura dela de tangerinas que me faz quase sentir o cheiro cítrico adocicado dessa fruta que tanto amo comer,- e que me traz lembranças suas - o cheiro do perfume que me remete a uma tarde ensolarada, a neblina matinal que cobre o meu arrededor e me lembra as manhãs indo para as aulas de sapateado e jazz quando tinha 10 anos, os girassóis crescendo no meu jardim e florescendo, o cheiro de canela no café amargo, a ternura materna que recebo, me fazendo sentir assistida e ciente de que tenho essa rede de apoio a que posso recorrer quando algo em minha vida parece fora de ordem. Essa segurança materna que temo tanto perder, como uma correnteza que segue o fluxo sem que tenhamos controle, por mais que tentemos nadar contra a maré.

Me pergunto o quanto do meu cotidiano eu sentirei falta quando a minha vida estiver passando por mais uma volta da roda da fortuna. Semper crescis aut decrescis. Ando muito pensativa em como me sinto em uma certa completude momentânea enquanto sinto um terrível vazio existencial formigando em minha mente que não me deixa viver o momento e suas singularidades, pois estou presa em uma energia passada que me consome e não me permite estar totalmente presente. Mas tenho tentado. Eu sei o quanto tenho mergulhado e hiper focado em vários assuntos que tem me aberto novos mundos, sem que eu saiba ainda o impacto dessa minha nova jornada em sua total imensidão. Estou abrindo a mente para questões que antes negava dentro do meu ceticismo arrogante e me permitido acreditar em elementos fantasiosos para buscar alguma espécie de iluminação interior, incluindo constantes leituras, deixando de frequentar lugares que "baixam" a minha energia, buscando não me envolver efemeramente com outros corpos que me trazem um prazer fugaz que em nada me acrescentam, procurando não mais beber para ter mais controle dos meus atos e mente, meditando, entoando palavras positivas, tentando entender o propósito da minha existência nessa terra corrompida em que vivemos, afastando as minhas sombras ciente de que preciso lidar com elas, indo a terapeuta sem falta, acessando o peso da minha mente agitada que me afasta de quem eu estou neste momento. Sim, estou como as fases da lua, iluminada pela luz do sol. Estou, pois estou sempre em constante mudança. E não digo isso com a obviedade de um post de instagram, mas pelas observações dos meus ciclos e das minhas tantas facetas, vivências e personas. Não sou constante. Não somos. E não haveríamos de ser. Estagnação não traz progresso. E eu estou agora vivendo alguma fase desse luto que não sei bem definir aonde. Mas estou. E sei que assim como tantos ciclos ele se fará lembrança e talvez virá em ondas nostálgicas, talvez como alguma lição. Não sei te dizer ao certo para onde as minhas sensações futuras irão me levar. Talvez me leve para vários momentos de risos que memórias arrematam, ou para lágrimas que lembranças causam. Mas sei que ainda te guardo comigo. E talvez te carregue para sempre, me trazendo esse misto de alegria e tristeza que a nossa história me remete. Um sentimento de saber que talvez não possa mais acessar esse lugar fisicamente, mas está cravado em algum lugar dos meus pensamentos que às vezes me visita em sonhos sobre reconciliações e entendimentos, como se os sonhos me trouxessem fechamentos e continuações.

Certa vez você me disse que amor está mais nos gestos do que nas palavras, e que as palavras devem ser incluídas nos momentos certos. Palavras estão cheias de tantos sentimentos, é a expressão do que sentimos por dentro, quando não camufladas por manipulações e contenções. Eu procurei ser honesta contigo, mas me prendendo num medo talvez injustificado de não aceitação. Não menti quando disse que te amo. E eu te amo nesses momentos que tive contigo e sempre me tomarão a mente como essa nostalgia que me arremata como ondas de uma maré em ressaca. Talvez eu floreie o que vivemos. Mas sinto que fui feliz nos momentos que compartilhamos e eles se juntarão a essas belas memórias. E me sinto punida por não ter te dito nos momentos chaves que te amava e o quanto estava feliz contigo - mas eu disse, eu sempre disse. Ou por ter dito também em momentos de desespero e de separação. Meu amor foi constante e continua sendo. Não foi momentâneo e não existia apenas quando as coisas pareciam bem. Eu te amei em todos os momentos. Inclusive agora, quando você já não está mais.

Eu sei que sempre te amarei de alguma forma. Amarei também a história que poderíamos ter vivido. Aquela que vi nas cartas certa vez, se revelando em um célebre 3 de copas. Mas o meu caminho foi seguido pela jornada do Eremita. E eu sigo-a de bom grado, me inundando de conhecimentos e procurando acessar alguma sabedoria interna. É um caminho que já sabia que teria de trilhar caso você decidisse que não deveríamos estar juntos. Mas o seu caminho, espero que esteja sendo surpreendentemente bom. Porque te quero bem. E quero que você saiba disso. Eu não guardo rancor, eu escolho guardar os bons momentos desse amor que sempre estará comigo. Talvez piegas. E talvez você se mantenha fiel à sua escolha e a um provável orgulho justificado por seus pensamentos racionais decidido a não mais falar comigo. E é uma escolha sua. E tudo bem. Pois já tivemos uma bela história em um momento meu de caos mental. Mas eu carrego esse amor na minha caminhada, assim como as belas chananas repousadas por borboletas amarelas que florescem em meu caminho.


segunda-feira, 6 de junho de 2022

A senhora da iluminação


Sinto da minha voz a sabedoria entoando

Iluminando a sua mente receptiva

Abro-te a visão para mundos obscurecidos

Tornando-te as certezas em palavras ativas

 

Eu abro os véus que te encobrem a visão

Te guiando nessa linha que te conecta a sabedoria

Dando formas ao nosso universo de ilusões

Enraizando-me em seus pensamentos como uma guia

 

E de luz o meu redor é constituído

Entregando aos que por mim buscam resiliência

Com a minha alta vibração eu os acalento

E adiciono novas visões de mundo às suas sapiências

 

Eu limpo de seus corpos o peso da ignorância

Tornando o caminhar leve e assegurado

E tomados por uma nova e pura consciência

Trago-lhes lucidez e intelecto aprofundados

 

Priscila de Athaides – 06/06/2022