sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Amendoeira

Anos de solidão, vivendo a base de mentiras sobre o mundo. Sexo é sujo, a televisão é suja, o corpo é sujo, os olhos são sujos. Limpe a sua mente, limpe o seu corpo, não sinta prazer, não sinta, não sinta, não seja. E então Dona Clara tem uma súbita parada cardíaca e deixa o seu filho Fernando, já com os seus 34 anos, sozinho em sua pequena casa sem os tão acostumados ‘nãos’.


E quem era Fernando? Um homem que vivia apenas para a sua mãe? Um homem que vivia apenas em seu quarto? Um homem que tinha a janela bloqueada pro mundo? Um homem? Um garoto? Um monstro? Um prisioneiro? Fernando nem ao menos sabia quem estava dentro daquele corpo que ele chamava de seu, imagina o que esperar do mundo que sempre foi negado a ele.


E então, após semanas de isolamento sem ao menos saber o que fazer com o corpo putrificado da sua mãe deixado na mesma posição em que se encontrava na sua cama, Fernando olhou para a porta que dava para a rua e saiu.


A primeira coisa que sentiu foi o sol queimando a sua retina. O cheiro imundo da rua invadindo as suas narinas. Tantos cheiros, tantos sons que invadiam todas as células do seu corpo. Ele nascia. E então abriu os seus olhos e encarou a amendoeira que ficava na frente da porta da sua casa e que derrubava um de seus frutos aos pés daquele homem estranho, pálido, corcunda e magricelo, manchando na calçada a cor vermelho escuro que o lembrava da pele de sua mãe apodrecida. Talvez o mundo fosse mesmo podre, como a sua mãe, tão devota a Deus, o fazia acreditar. Deus era puro e criou o mundo. Ele sempre imaginava que Deus cagou o mundo criando aqui todo o excremento das suas entranhas, porque não entendia como um ser tão puro criaria um mundo tão sujo como este.


E então ele observou as pessoas. Todos com vários formatos, vários tamanhos, várias cores. A sua mãe sempre falava em como os homens eram todos iguais, ‘todos, uma hora ou outra, mostravam a sua verdadeira face maligna. Todos são maus, todos carregam a semente do pecado!’ Ela gritava enervante enquanto o espancava depois de força-lo a ficar dentro dela. Mas ele não entendia como todos poderiam ser iguais se ele não reconhecia ninguém, todos tinham o rosto diferente do dele, assim como a imagem daquele homem pendurado numa cruz que a mãe tinha espalhado por toda a casa e que ela afirmava fervorosamente ser o melhor homem que já existiu.


E então Fernando percebeu que ele não sabia de nada e isso o revoltava. O mundo apenas fazia a sua vista doer, as suas pernas pareciam se cansar enquanto caminhava pela calçada tentando ir para longe e via os carros passarem rapidamente, o fazendo recuar. O mundo era uma prisão e aqueles anos encarcerado foram a sua salvação. Era o que ele conhecia e isso o confortava. Talvez a sua mãe sempre esteve certa em mantê-lo longe dali. Mas agora ela já não estava mais ali, o abandonara. E não havia nada mais detestável e assustador do que perceber que aquela estrada de concreto era tudo o que ele tinha naquele momento.

Priscila de Athaídes

O mensageiro

Ela escutava de longe uma voz sussurrando o seu nome, as paredes estavam infestadas e tudo ao seu redor promovia ruídos silenciosos. Ela tentava, em vão, ignorar esses sons fantasmagóricos, mas ao fechar os olhos eles adentravam o seu sono como o tic-tac de um relógio enervante que a hipnotizava. Sentia-o aproximar-se de seu rosto enquanto o sussurro aumentava, e ela apertava os olhos e torcia para que o dia rompesse.


Era tarde, tarde demais talvez, para que a sua imaginação a mantê-se acordada. Pensava consigo mesma que talvez fosse a TV do vizinho, porém não tinha jeito, era o seu nome que aquilo chamava ou ao menos é o que o silêncio noturno a levava a pensar.


E então ela estava em pé encarando uma enorme ruína de um parque de diversões e ao seu lado estava a miniatura de um trem, com a pintura avermelhada e gasta e uma larga lista azul circulando-a. O trem sabia que já não tinha um destino para ir, mesmo que antes o seu caminho era dar voltas ao seu redor. Sentado em um dos vagões estava um homem pálido, com roupas negras, dos seus lábios a palavra ‘espera’ se repetia. E então ela soube. Ela sabia que ela esperava sempre, não importa o que, mas ela estava ali, enferrujando o seu tempo em esperas vazias. No tempo não há esperas, por mais que ele circule em torno de si, há sempre um destino a chegar.


De longe ela ainda escutava chamarem o seu nome, era aquela voz fria e distorcida, um tom metálico e gutural. Ela olhou além do que os seus olhos a permitiam ver, e então encarou a morte, mais próxima do que ela gostaria de ver. E então lembrou-se que o destino era sempre o mesmo e o tempo, só uma desculpa. Lá estava aquela figura esbranquiçada, vestida de tantas idealizações, contorcendo-se como se carregasse todo o peso do mundo, encarando-a com os seus olhos inexistentes, profundos, mostrando que não existem olhos mortais naquele mundo.


E ela estava em casa, não a sua casa, mas ainda assim reconhecia como seu lar. Das mãos daquele homem pálido uma mensagem estranha: ‘No livro sagrado há uma mensagem secreta’, e ela enxergou em sua mente a imagem de um ser demoníaco, com todas as faces horrendas que esse ser poderia ter. Isso a fez estremecer. Ela sabia, e isso era o estranho, que tudo o que ela sabia daquele ser o mundo a fez ver assim. Lúcifer é mais velho do que esse mundo e a sua história já foi recontada tantas vezes, que na verdade ele não era mais ninguém além daquelas palavras de milênios. Era como uma mentira contada tantas vezes que se tornara mais real do que um estranho.


Ela tinha em suas mãos aquele livro tão venerado. Sentia todo o seu corpo arrepiar com o medo de qual mensagem poderia conter ali. Não pelo que a mensagem poderia lhe contar, mas porque naquelas folhas havia m toda a ditadura do mundo que ela conhecia. Isso é o que a fazia temer. A palavra de Deus misturada a palavra do diabo. Era como se não houvesse sentido em dar tanto crédito a algo que servia tanto pro bem quanto pro mal, mesmo sabendo que havia. O que ela não entendia era como isso poderia ser ignorado por tantos.


Abriu o livro na última página e na primeira linha, lida da direita para a esquerda, dois nomes lhe chamaram a atenção: Apollo e Sophia. Nomes que muito a agradavam a ponto de prometê-los aos seus filhos. inexistentes Era algo que não deveria ter importância, mas aquilo muito a assustava. Lembrou-se, então, do porque dos nomes estarem naquela mensagem. O próprio Cristo era a personificação de Apollo, o Deus-Sol. E assim o era não por de fato ser e sim porque a história e o tempo o fizeram assim. Era o triunfo dos pagãos e poucos sabem. E era o sol o que tanto se temia naquelas páginas, a luz de todas as luzes.


Pensou no nome Sophia, a tão idolatrada e árdua sabedoria. Era a própria árvore da vida, cheia de blasfêmias e pecados, proibida para Adão, almejada por Eva. Lembrou-se de Prometeus roubando a luz dos Deuses para presentear aos homens, e assim amaldiçoando-os enquanto caminham errantes nessa terra bendita. Lembrou-se de Lilith enamorada, livre para reinar um mundo de trevas. E era isso, a liberdade real a tornou pária desse mundo de tantas ilusões. Na sua mente Lilith mergulhava em um céu de nuvens brancas, com o tronco feminino de fartos seios, carregados do leite que alimentava o mundo, e no lugar de suas pernas estava uma longa cauda de cobra, como uma sereia. Lilith nadava nos céus, reinando como a Beatriz de Dante, mostrando-lhe os caminhos do divino.


E isso era tudo do que se lembrava ao despertar com o relógio cantando: ‘Mr. Sandman, bring me a dream...’

Priscila de Athaídes – 11/12/2009

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Primeiro amor

Não quero falar do meu primeiro amor,

Primeiro amor é sempre cheio de tédio

E muitas notas de lirismo regidas a Platão.


Primeiro amor é sempre estranho

Tem muita imaginação que não alça vôo,

E muitas palavras que atraem formigas.


É sempre assim inútil,

Todo mundo tem, todo mundo sofre,

Até que um dia vira lenda.


Eu nem me lembro desse tal de primeiro amor,

Foi assim, como deveria ser,

E no final não foi nada...

Priscila de Athaídes – 03/12/2009

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

O inesperado


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Eu não espero que o sorriso seja a minha última razão,
Nem as lágrimas, nem a dor.
O que eu espero é ainda mais estranho,
O inesperado, o tudo...
Todas as mentes se convergem a esse momento,
E esse momento alcança a todos
Como uma ventania sem direções.
Não somos carregados ao norte
Porque o norte não tem caminhos,
Somos levados ao acaso
Para o vazio da mente inútil.
Não há perigo e nem salvação,
Há apenas os nossos olhos
Encarando quem somos
E o que fizemos conosco,
É o eterno pesar em todas as horas,
Como se o tempo se solidificasse,
E esquecêssemos que ainda somos pequenos.
Priscila de Athaídes – 02/12/2009

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Pandora

Deus criou o homem a sua imagem e semelhança. O homem era dono do mundo terrestre, mas não o conhecia. Não tinha o fogo dos Deuses. Era incompleto. Então foi presenteado com o conhecimento da carne e afastado do conhecimento da alma. Assim veio Eva e com Eva veio a maçã, que liberou no mundo todas as doenças, as mortes, as crueldades que o mundo passou a conhecer.

O castigo dos Deuses aos homens não foi a sabedoria, mas o desejo de tê-la. O homem não amaldiçoou a terra, pois a terra já nasceu amaldiçoada. O homem amaldiçoou a mente por tomar conhecimento das coisas ruins do mundo. Pandora não entregou ao homem o que destruiria o mundo, pois o mundo já estava fadado à destruição. Pandora entregou ao homem o conhecimento disto. Todas as árvores de todos os mundos contêm os conhecimentos do mundo médio, do mundo superior e do mundo inferior. Mas ao conhecê-los os homens saem do seu estado de ignorância para um estado de desespero, pois sabem que todos estão vivendo em estado de ignorância e que sofrem por conhecerem coisas que não entendem. A sabedoria está ao alcance de todos, porém o homem a utiliza para corroer as suas almas com palavras distorcidas.

Não há conhecimento sem sacrifícios. Assim como Odin perdeu o seu olho para comer de Yggdrasil o conhecimento da vida e da morte, o homem está sempre se sacrificando, como forma de alcançar a elevação da alma. Mas o sacrifício existe porque há conformismo. Assim como Jesus avisa a um discípulo que ele deve deixar para trás todos os seus bens materiais, todos os seus apegos, e o discípulo não consegue, a sabedoria pede para que o homem deixe para trás todos os seus egos, todo o seu conforto com uma visão pré-concebida de mundo, e o homem não consegue. A sabedoria é isso, uma bênção e uma maldição que atormenta o homem desde o seu nascimento, quando ele é exposto a informações deste mundo tridimensional e percebe que existem regras e que existe a quebra das regras, até a sua morte, quando o homem olha para o passado e percebe que falhou em sua missão de alcançar a iluminação. Mas ainda falta ao homem comer da árvore da sabedoria, para assim entender que a sua alma é imortal e que o seu retorno é eterno.

Priscila de Athaídes – 26/11/2009

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

As suas mãos

As suas mãos acariciando as minhas,
como dois corpos se descobrindo.
procurando, sentindo, explorando...
Eu explodo por dentro,
reviro os olhos, grito em silencio,
Suspiro.
Suas mãos nas minhas,
Sua pele, sua essência,
Você em mim.
Eu sinto... sinto
e não sei dizer o que sinto,
E digo pra mim que é isso.
É você, somos nós,
Queimando.
A sua mão, a minha mão
Entrelaçadas, sem pudor,
Sem palavras, explodindo.

O olhar

O sol secou o vertical das chuvas
Nos teus olhos trovejando o céu,
Observando o quebrar das ondas
Que beijam a areia em azulado véu.

São fortes as ondas que quebram as pedras
E em mil grãos se espalha a vida,
Grãos que sujam essa pequena alma
Moldada pela mão divina.

Mas teus olhos são vórtices traiçoeiros,
Olhar frio que sopra desesperança,
Em flor sangrando numa face sorridente
Crava-se espinhos, mata-se a criança.

Priscila de Athaides - 09/10/2009

Último Suspiro

Estou presa a minha alma atormentada, essa alma eterna, essa alma velha, nesse corpo morto. Tenho que me encarar todas as madrugadas, solitária, cansada, faminta. É satisfatório me alimentar do seu sangue, estranho. Eu também costumava ser assim, amedrontada. Mas veja bem, a morte é a maior liberdade que podemos alcançar. Esqueça essa baboseira de juventude eterna! Vê os meus olhos? Estão velhos, estão mortos. Cansei.

Foi fácil te caçar, presa. Vocês humanos são tão cheios de luxúria, tão cheios de curiosidade. Nós estamos sempre famintos. Apenas um suspiro, um pouco de carne a mostra, um jeito sedutor de olhar, de dançar. Pronto. Você é meu. Mas não se engane, não passa de combustível, e vai permanecer dentro de mim até a próxima fome. Tão frágil essa vida humana. Efêmera.


E eu adoro a cor do seu sangue, esse vermelho, esse vermelho quente, esse vermelho quente e saboroso. Adoro lambe-lo do seu pescoço, te ouvir sussurrar de medo, te ouvir dar o último suspiro, e ainda assim, enquanto morre, te ver entrar em êxtase, ver você gozar. Acho tão patético, eu rio da sua cara. Como é fácil dar prazer a vocês, até mesmo no momento mais aterrorizador. Mas é isso, querido. Eu te faço gozar, você me alimenta. Boa troca não?


Não vou negar, adoro lamber esse gozo das suas cochas, logo após acabar com a sua vida. Ele permanece quente, dá ao sangue um gosto especial. É talvez o mais próximo que eu me aproximo da vida. A sua semente, a sua herança em meus lábios, perdida. É saborosamente irônico. Por isso prefiro vocês às mulheres, com as suas lubrificações, as suas vaginas frenéticas. Mas a forma como elas gozam! Como adoro ver as mulheres se contorcendo enquanto morrem. Por isso vou direto ao ponto, mordo o clitóris. E elas gritam de dor, de prazer. Adoro! Mas nada se compara a vocês, cavalheiros. Exceto quando a mulher está amamentando. Isso desperta em mim o lado mais humano. O leite maternal. Isso me faz chorar todas as vezes. É nesse momento que eu gozo. Saber que estou tirando pra sempre a mãe dos infelizes, o colo, a comida, o conforto. Eu juro, isso é tão bom! As vezes eu me alimento das crianças, é interessante. Sangue virgem. Mas é das suas mães que o verdadeiro prazer vem. Do seu leite. É esplendido.


Não sei te dizer se o que eu faço com você é uma maldição ou uma benção. Você verá o mundo pela última vez, e ele será os meus olhos, redondos, vazios, azulados, assim como o seu planeta. Aterrorizador não? Não adianta se desesperar, não adianta me bater, a sua força é nada diante da minha. Eu estou aqui há muito tempo e não há nada que você possa fazer para adiar o seu fim. É aqui, é agora e é comigo. Au revoir.


Priscila de Athaides – 14/10/2009

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Multi egos

Não sou o reflexo do espelho,

Deformado pelo tempo,

Mudança constante,

Temporal e finita.


Não sou o rosto fotografado,

Congelado,

Limitado ao conhecimento passado,

Perdido.


Sou aquela que não conheço,

Construída pela posição planetária,

Limitada a carne,

Em busca da transcendência.


Sou multifacetada,

Ansiando motivos vários.

Desmistificada em Freud,

Destrinchada em genética.


Eu sou o sopro do divino

Em minha carne barrosa,

As vozes caladas

Em minha moralidade imposta.


O individual do conjunto,

O elétron do átomo,

O átomo da célula,

A terra do sistema solar.


Priscila de Athaides – 28/09/2009

São poucos os rostos que amam

Se em todos os rostos ligeiros

Existem histórias efêmeras,

Amores partidos,

Tempos perdidos,

Na minha história existe vaidade,

A minha sutil verdade

De um amor eternizado

Pelas horas preenchidas

No tempo que foi e que vem.

No seu rosto a minha história

Escrita em vidas passadas,

Perdida e encontrada,

Para se eternizar nesse momento

Que somos nós e sabemos

Já não mais existir dúvidas,

São poucos os rostos que amam.

Eu sou.

domingo, 27 de setembro de 2009

Espera

É cruel essa espera, desanima. Não entendo esse mundo em que se deve jogar com o outro, fingir que não é o que é. Seguir conselhos pra se normalizar. O bom é explodir. E esperar para algo que se quer aconteça, fingir que não depende só de si, isso me desanima. Sei que muitos esperam, gostam da espera, gostam de jogar com o olhar do outro e sentir-se desejada a distância. Não suporto. Eu acabo partindo. Me desgasto. As vezes a resposta da espera alivia mais a alma do que a espera em si. Seguimos em frente. Já esperamos tanto com a vida, a idade passar para estarmos maduros, espera-se, espera-se. Porém sentamos em frente a telas rápidas e ansiamos. É complicado esperar que a vida venha, entediados, aguardando do outro algum sinal, aguardando que o outro venha, quando já estamos aqui, preparados.


E então que venha outro dia, o mundo nos enche de amor e o desperdiçamos, esperamos o perfeito, o perfeito não vem. Esperamos o momento perfeito, a música perfeita, o cheiro perfeito, as horas perfeitas, o completo, a naturalidade, as feridas cicatrizarem. Nada vem. E então partimos e nem percebemos o quanto deixamos de viver com essa espera. O tempo não para enquanto esperamos, ele escorre de nossas horas e torna toda a espera esquecimento. Viramos meras lembranças rápidas de uma época que desejamos por algo que nunca aconteceu, porque o tempo toma todas as direções quando não nos direcionamos por ele.


E então escutamos que não devemos desejar, esperar, apenas viver, sem aguardar nada do próximo. E nos achamos tolos, porque na espera o outro decide por nós. Decide que esperamos tanto a toa. E confusos, não sabemos se esperamos mais um pouco ou vamos embora. Dizem que por querermos demais, nos decepcionamos. Devemos apenas aproveitar o momento. Vamos saborear com uma pitada de caos.

Priscila de Athaides – 27/09/2009

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Olhares perdidos

Éramos forjadores de olhares,
Nos tocávamos pela distância
Que o espaço nos ditava,
Não havia laços, não havia palavras,
Apenas o desejo de estarmos.
Éramos imitadores dos amantes
Procurando sentidos na pele,
Tínhamos os rostos cobertos
De falsas vontades errantes.
E então, já não mais somos,
E eu permaneço buscando no tempo sentidos,
Para ter no efêmero os seus olhos,
Que já me olham estranhos.
Então não te quero mais me procurando,
Tire os seus olhos de mim
Que em mim já não mais basta
Olhares para me diminuir.
O tempo cura e permanece
A memória de promessas vazias,
Entreguei-me para me encontrar perdida.
Nunca houve nada aí,
Não há mais nada aqui.

Priscila de Athaides – 17/09/2009

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Mariposas mortas


Sentei-me a beira das pedras do farol,

Nas terras perdidas de Paraguaçu,

E observei o trânsito caótico

De sonhos fluindo em esquinas sombrias.

Transitavam as palavras em meio aos turistas,

Muitos flashes, muitas histórias,

O nosso olhar perdido no horizonte,

Enquanto o sol enraizava-se nas águas claras

Em lágrimas que arranham essa terra trópica.

Sentei-me e ouvi a sua brisa fria

Falar-me de seus grandes olhos vazios

Abandonados em meio as pedras,

Guardando nesse mar revolto

Histórias vespertinas de paixões contidas.

Eu me perdendo em seus vermelhos cabelos de fúria,

Nas suas palavras sofridas, em seus lábios manchados,

Carregando-me em suas histórias tortas.

Nunca fostes minha em meio às mariposas mortas,

Agora és uma memória amargando em meio a brisa,

E o farol não mais me guia em tardes frias

Nesse inverno de histórias invertidas.

E se o entardecer dourava nossas faces pálidas,

Anoiteceu querida, na nossa história finita.


Priscila de Athaides – 15/09/2009

sábado, 12 de setembro de 2009

Mundo estranho

Há quem diga que está tudo reservado. A vida segue de uma forma óbvia, ainda que não aconteça da mesma forma para todos. Está tudo reservado. O amor, o ódio, a esperança, a morte, o próximo dia, casamento, filhos, trabalho, formatura, etc. Entretanto tudo que está reservado um diase revela. E aí, como proceder?

As respostas parecem óbvias, e talvez sejam, para a grande maioria. Mas então pra transformar em pó tudo o que é conquistado, basta algumas palavras que soam erradas, algumas ações que parecem imperdoáveis, basta um certo julgamento. Basta viver tentando ser único. A singularidade é a maior arma contra o indivíduo. Espera-se sempre o mesmo de todos, e todos é um conceito massivo.

E então eis que o que há de mais certo chega. Morremos e as marcas que deixamos viram pó. Somos diferentes. Somos iguais. Viramos pó. E o mundo que nos esquecerá, nos marca. Sofremos com ele e ele nos arranca todos os nossos suspiros inúteis para misturar ao ar e desaparecer.

Hoje é uma noite quente de inverno. Não há uma nota de humidade no ar e os pensamentos costumam aflorar em noites quentes de solidão. E eis o maior medo humano: Solidão.

Certa vez ouvi dizer que o homem passa a vida inteira procurando o amor e quando finalmente alguém oferece, o homem estremece. E dizem que é um mundo estranho. Está tudo ao nosso alcance para afastamos das nossas mãos. Está tudo ali, reservado. Mas e aí? O que se deve fazer quando tudo o que buscamos na nossa vida nos encara? A encaramos de volta? O conceito de felicidade é igual para todos? Todos nascemos para amar? Todos tememos a solidão? A vida é assim tão igual para todos?

Sim. É um mundo estranho e somos todos iguais diante dele, racionais e previsíveis. Talvez tudo seja fácil demais e complicamos dentro dessas longas reflexões sobre a vida. Talvez seja complicada demais nessa simplificação. Queremos ter o que nos oferecem e aceitamos o caminho mais fácil. Vivemos a custa de imagens e esquecemos que as pessoas que nos rodeiam não deveriam ser definidas com cor, gênero, opção sexual, idade, beleza, condição financeira. Generalizamos e nos esquecemos da própria humanidade. Me fale em ironia e eu apontarei para o mundo.

E então continua uma noite quente e aguardo alguém enxergar acima dos seus pré-conceitos e perceber que aqui jaz um ser humano. Imperfeito de todas as formas, como todos os outros. Perfeito para a sociedade que abraça a sua improdutividade e que bagunça com a sua cabeça para que consuma essas idéias pré-definidas de tudo o que nos rodeia. Tola de todas as formas, buscando teorias de amor inúteis e afirmações estúpidas de liberdade. Procurando não abrir a caixa de Pandora e liberar aquilo que acabaria com a esperança. Mas tudo se agarra ao óbvio e nasce um novo dia.

Priscila de Athaides – 12/09/2009

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

A escrita

A escrita é o lado mais íntimo do humano.

É algo que fica,

Não se esvai com as areias do tempo.

É a sujeira do poeta,

Que por mais que se escorra,

Mais suja a alma.

É a face oculta do homem,

O que não deve ser dito,

E se explicíta...

A escrita é o mais profundo da alma,

E está revelado.


Priscila de Athaides - 09/09/09 (how cool is that?)

O jardim do tempo


Criado na aula de criação literário em que o tema era "pescar" 3 palavras de um livro para fazerem parte da produção. As palavras foram 'jardim', 'tempo' e 'rainha'. Adivinhem qual era o livro?

Adentrei-me no jardim do tempo. Buscava retornar os ponteiros da vida e despontei-me com a solidão da eternidade.

As rosas enrugavam-se, despetaladas em terra fértil para retornar as rosas, para retornar a história, para retornar às pétalas, para retornar ao pó.

E do pó brotavam homens, carregado do sopro divino. Os seus rostos eram lisos, até o cair da noite. Corriam contra o tempo para mergulhar os seus corpos em lagos e congelarem-se. Os corpos intactos, a vida perdida.

As mulheres eram rainhas das horas. Controlavam o tempo a seus desfavores. Plastificavam as rosas. Corroíam as suas imagens para projetarem em espelhos as faces de suas juventudes efêmeras.

Até virarem pó, e do pó cair em terra pra brotarem em rosas, em homens, em histórias, nas pétalas, no pó.

Priscila de Athaides 04/09/2009

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Da minha janela

Da minha janela vejo um mundo que desprezo,

Que diz que me pertence

E cultua o Deus dinheiro.

Vejo a todos e os vejo mortos

Caminhando para lugar nenhum,

Chamando de destino

O que eu chamo de fim.

Daqui vejo faces de solidão

Que os tornam independentes.

Adormecidos,

Vivem sonhos vazios

Consumindo-os enquanto os tornam pó,

E morrem em overdoses de narciso.

Eu observo as mães alimentando os seus filhos

Com filosofias vãs de morais falidas,

Os pais ignorando as horas

Em frustrações que chamam maturidade,

E os filhos isolados em seus quartos

Digitando mil palavras sem sentido.

Eu me vejo e ignoro

Que colidi com o concreto,

Buscando sentidos que me completam

Perdidos em lugar comum.

Priscila de Athaides – 27/08/2009

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Viagem noturna ou O primeiro cinema


O homem deitou-se em sua cama e leu o céu de mil pretéritos. As estrelas lhe contavam histórias de futuros ainda distantes que se deslocavam pela história. E lá, acima de tudo, a lua repleta de fases acompanhava-o em seus pensamentos noturnos. O homem fechou os olhos e flutuou até o satélite prateado, alcançando o sorriso minguante de Selene, aquela que acendia as estrelas com a sua carruagem, buscando no rosto do viajante a face do amante terrestre. Aprisionou-o então às suas crateras, apontando para o azul redondo que marcava o universo negro. Sua terra, seu lar, seu mundo longe das suas mãos pequenas em face ao mundo da deusa.

Hélios, acompanhando o adeus da sua irmã, carregou o viajante de volta a sua cama e adentrou sua janela. Seus raios avisavam que o dia já invadira as portas das fábricas que transformavam o azul celeste em cinza concreto. O homem vestiu o seu terno, calçou os seus sapatos, ajeitou os poucos cabelos que ainda restavam e seguiu os proletários que tentavam alcançar as próprias sombras marcadas no passeio como ponteiros de passos atrasados.

Desviou-se para a casa dos risos, e no palco dos loucos reconheceu seus sonhos. Dançavam mulheres como mariposas, crianças faziam performances que lembrava-o da infância, homens de cara pálida fazia-o rir de suas tragédias, mágicos enganava-o com truques de luz e mágica, os poetas declamavam seus amores perdidos e o homem sonhava com seus sonhos encenados, guardados na história, com o seu nome transpassando os tempos e marcado na história.

Quis então entregar os seus sonhos ao espetáculo vaudeville. Criou a caixa dos sonhos e captou imagens eternizando-as. Projetou nas paredes o seu mundo burlesco. Apresentou ao mundo o trem chegando à estação, criou demônios que dançavam enquanto lançavam fogos de suas mãos, cartazes criavam vidas, cabeças eram desconectadas dos corpos e ainda assim sorriam, mulheres deixavam os seus corpos nús a mostra, crianças faziam travessuras, o tempo congelava. E eis que o homem levou o mundo à lua, transformando a realidade em algo além do alcance das mãos. É o homem desperto vivendo o seu mais antigo sonho de alcançar os céus e transformar-se em estrelas. O homem entregou o seu corpo ao cinematógrafo e transcendeu a própria morte.

Priscila de Athaides – 21/08/2009

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Pesados


Certa vez me falaram que o meu problema é sempre tentar me apoiar no outro. Me apóio no outro porque sou metade. O outro é sempre a busca de mim, o outro é a tentativa de  alcançar a extensão do eu. Eu busco um complemento e me respondem solidão.

Platão costumava dizer que as nossas almas foram partidas ao meio e que nossa metade está perdida no outro, até nos encontrarmos. Mas Platão dizia que nossas almas pesaram, elas caíram na terra porque estamos impuros. Nosso mundo é imitação, igual ao de cima, igual ao de baixo. O outro se torna pesado, recai sobre nós e nos suporta, mas não nos entendemos. É a exata metade do nosso mundo, e não aceitamos que aquilo pertença a nós. O outro não existe porque somos um. É o outro lado da mesma moeda. O outro nos enche de seu próprio ego, entregamos o nosso próprio ego afim de que se encarem e se reconheçam. O ego entende apenas a sua língua. É um cego composto de sete bocas, todas falam mil línguas que nos tonteiam.

Respiramos para alimentar o corpo de oxigênio, expulsamos as nossas impurezas, assopramo-las pro mundo. Estamos enraizados, extraímos o máximo do mundo, queremos sugar o universo para nossas barrigas, explodimos e não percebemos que explodimos sozinhos, porque estamos unidos, partes de uma única célula, somos um só e nós não conseguimos enxergar o todo. Estamos preocupados com nossas próprias células cancerígenas, enxergamos tudo por pequenas partes. Aprendemos tudo por compartimentos.

E ousamos apontar pro outro e nos julgar melhores, nos sentimos mais puros. Queremos nos projetar, o outro não é o que somos, é a outra parte de nós. Todos caminham no mesmo mundo, nessa dimensão, e todos vivem suas próprias histórias, suas próprias dimensões. Apontamos para o outro apontando pro espelhos, e não nos vemos por inteiro, nossas costas são o ponto cego. O que vemos de frente é um pequeno pedaço do todo.

Somos ignorantes da nossa própria existência e o crescimento nos corrompe enquanto nos completa. A sabedoria é a sujeira da alma. A ignorância a sujeira da mente. Precisamos nos sujar pra pesarmos nossos pecados na morte, e então procurar não mais pesar nossos corpos nesse mundo e retornar para o que está perdido em nós. Para nós mesmos. E então precisamos do outro, porque a nossa alma está dividida e existe parte de nós perdida no mundo, aguardando que um dia retornemos as origens para conseguirmos  partir além. Aqui é só um fragmento de nós. Não entendemos o tempo, não entendemos o espaço, vemos tudo como o agora. E o tempo nos mata enquanto respiramos.

Priscila de Athaides 12/08/2009

terça-feira, 11 de agosto de 2009

A queda





Aproximei-me do precipício e me joguei. Aproximei-me e mergulhei como se houvesse água para amortecer a queda. Creio que retornar ao topo é árduo, mas retornar é sempre necessário. Crê-se que se jogar em busca de água e colidir com as pedras é uma morte certa. Parte de si morre, parte de si fica. O que realmente nos destrói é encarar o estrago de frente, o que fica depois da queda, esperar que o tempo cure as feridas. Porém o corpo se deforma, as cicatrizes às vezes se abrem, elas sempre ficam, olhamos e elas estão sempre lá, nos encarando, nos deformando. Passamos por plásticas, tomamos remédios, maquiamos, e lá está, nos encarando de volta.

Aproximei-me do precipício e me joguei. Esperei poder voar, talvez. A minha alma ficou presa ao meu corpo, é pequena demais pra buscar outros mundos. O que foi embora é racionalidade. Me joguei, subi a montanha e me joguei novamente. Procurei encontrar espaços em minha mente pra entender a queda. Me perdi na busca. Fragmentei-me. Procuro então me envenenar com lembranças, criar novas histórias, procuro enfeitar a face do passado. Não me trazem respostas, não me trazem dor, não me trazem esperança, não trazem nada. Anestesiei-me com a queda. Não tenho o órgão pulsante. Não tenho ar pra me fazer soluçar. Não tenho sangue pra me fazer ferver. Não tenho. Tenho apenas perguntas. Tenho a espera do amanhã, mas ele me trai, ele me arranca o sentimento de perigo, ele me atrai novamente para a beira do abismo. Eu procuro cair de novo, procuro a água para mergulhar o meu corpo, o céu para flutuar a minha alma como Ismália, inalcançando o mundo.

Aproximei-me do precipício e me joguei. Não haviam mãos para me carregar quando cheguei ao chão. Estavam ocupadas demais com as suas próprias quedas, correram para os seus lares e me traíram as promessas. E enquanto eu acreditava valer a pena cair de novo, as mãos me avisaram que não valia a pena esperar eu alcançar o chão. Já estava danificada. Já conhecia o caminho de volta. Esqueceram-se que chegar ao topo novamente é árduo e me deixaram cair, me observando de longe, para não terem as suas mãos sujas de sangue. Eu que me joguei, as mãos estão limpas. Me fizeram crer que eu não estava sozinha. Sozinha estou. Essa foi a minha queda, de mais ninguém. É mais fácil fechar os olhos e dormir quando as mãos estão limpas. Por isso jogaram fora, desapareceram. Eu lidarei com a desfiguração. Eu lidarei com as distorções. Eu lidarei com a loucura. Não há sangue em outras mãos além das minhas. Assim me fazem crer, pra se absterem da culpa. E isso funciona pra eles, funciona pra todos, funciona pra mim, mentiras contadas várias vezes, mentiras-verdades, verdades. Está tudo por dentro, ninguém precisa ver, ninguém lida com isso. A queda é interna, a dor é interna. Pertence a mim. Pertence a minha mão suja. E então sorrimos e fingimos que ela não aconteceu. Um dia tudo será esquecimento, até as palavras. Esse código, eu mesma.

Priscila de Athaides - 11/08/2009


domingo, 26 de julho de 2009

Supernova

Hoje eu fiz do céu a minha cama,
Deitei-me acima do tempo
E compartilhei as estrelas contigo.
Elas brilham, ainda que apagadas,
Traçando no céu histórias,
Transformando-se em supernovas,
Desmanchando o tempo em poeira cósmica.

Hoje o espaço nos distancia
Fazendo-nos arrastar o tempo
Nos nossos corpos impermanentes,
Mas esses segundos já se foram,
É a ilusão que nos adormece
Enquanto despertar nos soa irreal.

Abrace-me como a noite que me cobre,
Arranque-me da morte do momento,
Faça-se eterno,
O tempo que se foi retorna,
Tu estavas aqui e se foi
E aqui eu te mantenho
Pra te chamar de saudade.

Eu te guardo e por minutos te tenho
Afastando-me do frio passado,
Mantendo-me no frio presente,
Eu te escuto dizer que voltarás
E aqui te espero,
Enquanto aqui existir,
Pois aqui o tempo devora.

Priscila de Athaides - -25/07/2009

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Instinto

Eu tenho a inquietação da poesia
Mergulhando entre corpos para roubar a essência.
Nos mil sorrisos encontro respostas
Ditadas em mil faces de gozo.
Corpos cortados em pinturas desfocadas:
Eva, Vênus, Monalisa!
Eu sou a musa das fantasias,
Pandora liberando o caos,
Desfazendo histórias como um vórtice,
Desmanchando-me no ar
Para me imprimir em palavras.
Sou fingidora,
Volúvel dissimulada,
Porque respondo a pele, ao toque, ao meu nome:
Instinto!
Passeio em seus lábios sem pudor,
Suspirando para pensares que te pertenço,
Me pertences como uma história passageira,
Chama fadada a cinzas,
És eu
Meu
Sua...
Goze em mim, goze de mim enquanto podes...
Amanhã despertarás vazio,
Pois já não mais estarei
E descobrirás o que sou
Nas linhas da minha vulgar poesia.

Priscila de Athaides – 21/04/2009

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Miragens lúcidas


No espelho do meu banheiro
Tem um homem com uma coruja na barriga
E ela canta para mim.
Eu não consigo ver os seus sentimentos
Você consegue mantê-los?
Acho que já é noite,
Mas o sol me cega,
O sono me disse que não queria ficar,
Eu disse que tudo bem, só não me deixe aqui.
Acho que vou te guiar para aquele abismo ao luar
São 12 horas da noite e a lua está amarela,
Você pode escutar o oceano?
São as meninas do mar que cantam
No topo daquele carrossel.
Eu quero flutuar em suas águas gélidas
Mas as suas pedras cortaram os meus pés,
Acho que dissolvi...
Melhor subir naquela árvore até secar,
Hoje tem gigantes no mar.

Priscila de Athaides - 17/02/2009