quarta-feira, 22 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - Temporal


 

Parte IV 

 

O solstício de inverno chegou. A noite mais longa do ano. Isso me traz na memória que te conheci no solstício de verão. Dias mais ensolarados. Eu, quebrada. Todas as minhas peças estavam fora do lugar, precisava encaixar as minhas confusas ideias e deixá-las calcificar. Você olhou o meu caótico abismo mental e decidiu partir. Eu ainda escalo para fora do seu abismo e pareço alcançar a terra firme e ensolarada, mas meus pensamentos ainda pesam em ti, e caio. Minhas mãos não suportam o peso do meu corpo. Eu as quebro e preciso tentar colocá-las no lugar novamente. Algo não encaixa e fico tentando rearrumá-las. Acho que alguma coisa se perdeu no caminho. E isso me faz retornar, desfazer, refazer, na esperança de finalizar esse quebra-cabeça.

Me sinto como o louco me jogando nessa jornada em busca da sabedoria. Mas estou presa em uma torre e a escuto ruir. Me jogo mesmo assim ou espero tudo desmoronar? Você foi o meu lar de veraneio, eu ainda sinto esse calor que me aquece o corpo emanando do que tivemos. O barulho do mar adentrando a sua janela ainda ecoa em meus ouvidos como se estivesse carregando uma concha marinha, levando-a comigo para os confins da minha mente. Mas agora o inverno chegou e os dias ensolarados ficaram para trás, e sinto os meus pés congelando, tornando tão difícil caminhar. Estou pendurada nessas pedras, me equilibrando neste fio prateado que me prende a ti. E já tentei cortá-lo, mas sinto que ao fazê-lo uma parte de mim desfalecerá. Corde pulsum tangite.

Eu sei que o seu cálice já não sacia mais a minha sede e eu preciso virar as costas em busca de outros horizontes. Mas me apego a reminiscências de ti com medo da falência dos meus sentimentos me tornando apática e tornando-me numa estátua de sal para o que ainda se encontra na minha caminhada. Sei que mesmo virando as costas e seguindo em frente, ainda assim carregarei todo o amor que tenho pelo que vivemos, ainda que compartimentalizado ou sufocado em um profundo oceano interno. Espero que me traga a leveza das asas de Eros e não a confusão mental de Psiquê. Entretanto agora pesa como um dez de paus. Espero que seja o fim dessa provação de fogo. Mas por ora te espero. Espero, pois esperança é o que Pandora conseguiu salvar na sua caixa de destruição. Algo ainda não foi destruído. Então continuo subindo até o topo na esperança de que você escale esse abismo comigo. Será que consigo alcançar o topo? Ou devo me jogar, como Ismália, me perdendo de vez em um mar de lágrimas, assim como Alice? 

Talvez me contentaria com respostas, mas o que encontraria atrás da cortina? Dentro de mim, nesse coração cravado por espadas, eu sei que é você, sempre foi você. Você não soube ver além do redemoinho a estrada de tijolos amarelos. O campo de papoulas está lá ao fim da jornada. Eu poderia ter sido o seu lar. Posso, poderei, fui, sou, seremos, somos, éramos. Cíclico. Temporal. A chuva que cai na minha janela e me relembra que a temporada de sol já se pôs. Mas nasce o sol. De novo. De novo. De novo. E não dura mais que um dia. Até que o solstício de verão retorne novamente com o dia mais longo. Como poderíamos, como podemos. Como a fortuna correndo em campos de girassóis e ainda assim colidindo com esse muro em que você se cercou. Tento arrancar pedra sobre pedra para chegar ao outro lado do mundo e me conectar com a água sussurrante em meus sonhos, com o vento, vento querido que carrega encantamentos em seus redemoinhos, com a terra letrada em sigilos, com o fogo que acinzenta o seco e fertiliza as chananas., com a casa amarela murada. Contigo.

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