domingo, 24 de julho de 2022

Reflexões não solicitadas - Construção

 


Parte XVII

Hoje eu me peguei pensando sobre o que que quero em um relacionamento. Acredito que apenas aceitamos aquilo que vem e por isso estamos sempre tão perdidos em nosso caminho, aceitando qualquer desvio que parece oferecer algo agradável, mas que não nos comporta. Proponho esse exercício: Converse contigo mesmo sobre o que você quer em um relacionamento e analise se a pessoa que está ao teu lado pode te entregar o que você de fato precisa e quer. Se não, compartilhe com ela o que você busca em um relacionamento e veja se ela pode te dar isso, se vocês podem chegar em um denominador comum. Caso os seus planos não estejam alinhados, talvez seja o momento de vocês reverem se vocês querem estar juntos de fato ou se o que vocês têm hoje é realmente bom para ambos. Porque estar bem com o que você tem importa também, desde que você esteja confortável com essa situação. Mas se não for o caso, reavalie e siga o seu caminho, se você puder. Au revoir. Não tem nada de errado em reconhecer que o que você tem não é o melhor para você. Pelo contrário, na verdade, ir atrás do que você realmente quer demanda uma força interna gigante. Mas é necessário que a gente se dê o que queremos e precisamos. É a nossa vida e devemos buscar plenitude nela, evoluir nela, alcançarmos felicidade nela, sabendo que felicidade não é constância e nem eufórica, mas a junção de pequenas coisas em nosso cotidiano. Precisamos saber apreciá-las.

Mas afinal de contas o que eu quero? Sabe quando você conhece uma pessoa e você percebe que pode conversar sobre qualquer coisa com aquela pessoa e um assunto leva a outro que leva para outro e leva para outro a ponto de você começarem a ver vários pontos em comum e entender os seus gostos e visões de mundo? Então você começa a compartilhar uma infinidade de coisas com ela: Ouça isso, veja esse vídeo, assista a aquele filme, leia esse texto. E então, quando você menos espera, você começa a perceber que tudo te lembra essa pessoa e que você quer compartilhar o seu mundo com ela. E quando vocês se encontram você sente uma boa sinergia, o toque da sua pele é magnético, o cheiro da pessoa te agrada, a textura do seu cabelo, a forma como ela te olha enquanto você fala, como você se pega hipnotizado pelo que a pessoa tem a te falar. Tudo o que você quer é estar naquele momento apenas sentindo as várias particularidades daquele ser humano, trocando todo o tipo de experiências. E tudo vai se desenvolvendo de uma forma orgânica, seu beijo combina, seus corpos se encaixam, vocês se levam ao gozo, você se sente à vontade para compartilhar a cama juntos. E então vocês percebem que querem aquilo, que querem mais e todas as vezes que vocês se encontram, mais o nível de intimidade entre você cresce e já estão tão à vontade com os barulhos dos seus corpos, suas rotinas, os seus cheiros humanos, os seus hábitos estranhos. Vocês começam a ter piadas internas, são bobos um com o outro, compartilham seus traumas e suas histórias de vida a ponto de você se dar conta que conhece tanto essa pessoa, toda uma vida, toda uma complexidade que os seus mundos já foram totalmente afetados e transformados. Vocês já não são mais os mesmos.

E eu quero ser o centro amoroso da vida dessa pessoa. Quero construir uma vida junto a ela, compartilhar o meu espaço com ela e ter o espaço dela compartilhado comigo. Mas que tenhamos direito à nossa individualidade. Que possamos sair, que possamos ter nossos momentos de solitude, que possamos ver os nossos amigos tranquilos sem haver nenhum tipo de controle ou brigas, que possamos comunicar o que sentimos, as coisas boas e as coisas ruins, e sentirmos que estamos sendo acolhidos. Quero alguém que esteja alinhado comigo, mas que continue fazendo as mesmas coisas que fazia antes, que não se afaste dos amigos nem da família. Mas que tenhamos os nossos momentos apenas entre nós também. Que a gente possa ir pro cinema juntos, coma em restaurantes juntos, cozinhemos juntos, passamos uma noite comendo e bebendo juntos e rindo de tudo até passarmos mal enquanto ouvimos música, que comecemos a ver séries juntos e passemos horas conversando sobre teorias, que a gente tenha filmes favoritos juntos, nossos fomes, nossas músicas, nossos momentos. Que a gente receba nossos amigos em casa e passemos uma tarde jogando, comendo pizza, bebendo cerveja e falando besteira, e que nossos amigos sejam todos bem-vindos e se sintam bem conosco, que saiam da nossa casa sentindo que tiveram um momento super agradável conosco e que somos ótimas companhia, pois não há momentos estranhos e nem estranhamentos. Mas que também possamos ir ao cinema sozinhos, porque aquele filme de terror não agrada a ele e o filme de ação que ele gosta não é interessante o suficiente para mim a ponto de pagar um ingresso, e tudo bem. Não vamos deixar de fazer o que gostamos porque o outro não quer fazer. Que possamos passar um dia vendo uma série que o outro não gosta tanto enquanto o outro passa o dia jogando videogame, sem sentir que temos de fazer companhia um ao outro, respeitando os nossos momentos sem ficar em cima ou achando que porque somos um casal, só podemos fazer coisas juntos. Que possamos sair com os nossos amigos sem a companhia um do outro sabendo que não precisamos ser controlados ou monitorados, pois confiamos em nós.

Que possamos compartilhar tudo sabendo que a pessoa vai nos ouvir, que vamos buscar soluções juntos, que vamos nos apoiar, nos acolher e entender o que queremos falar, sem o peso do julgamento, sem brigas, sem imposições. E que não exista segredos entre nós, mas não porque existe uma necessidade ou um pacto dentro do nosso relacionamento, mas porque gostamos tanto de compartilhar nossas coisas que queremos contar tudo o que acontece conosco todos os dias. Que não haja jogo, ou medo de falar algo e a pessoa se afastar ou achar que somos loucos – ou até ache, mas de uma forma adorável. Que possamos assumir que admiramos outras pessoas e que possamos ter desejos sexuais fora do nosso relacionamento, mas que não passa disso, pois no final das contas, queremos estar juntos e não desperdiçar o que temos por qualquer pessoa que apareça, pois queremos uma vida juntos e nos satisfazemos, mas somos humanos. Que a gente seja nós. É isso o que eu quero, uma pessoa com quem eu possa ser eu, nos níveis mais íntimos de mim, e ela olhe para mim e pense o quanto ela é privilegiada e o quanto me admira e ama estar comigo, mesmo quando não nos entendemos, mesmo quando não concordamos um com o outro, mesmo quando brigamos. E que a gente saiba lidar com esses momentos, pois somos seres complexos e não podemos estar sempre bem um com o outro. Mas que possamos lidar de forma madura e que façamos de tudo para nos resolvermos. E que a pessoa fique, não importe o quão difícil esses momentos pareçam ser. Que a pessoa sempre me escolha.

Que essa pessoa seja sempre cheia de comunicações, que haja em busca de resolução e de entendimentos, que a pessoa demonstre que está ali e que está considerando tudo o que conversamos, que haja sempre trocas, que respeitemos o espaço um do outro e os nossos momentos. E que seja natural, que seja nosso, que seja algo que simplesmente é, pois estamos alinhados. Que sempre foquemos em nossas qualidades ao invés de nos colocar para baixo ou apontar os nossos defeitos (e que a gente ame os nossos defeitos, pois fazem de nós únicos e complexos, fazem parte de nós também), que nossas piadas sejam sempre para nos elevar ao invés de nos diminuir, pois queremos evitar momentos constrangedores ou fazer com que o outro se sinta mal de alguma forma. Mas que quando algo que fizermos nos machuque de alguma forma, que possamos conversar e procurarmos melhorar a nossa atitude. Que a gente cresça juntos. E que a gente evite usar os nossos complexos e traumas um contra o outro.

E quando eu encontrar essa pessoa, quero construir uma vida ao lado dela, um lar, uma família. Quero que seja duradouro, que a gente crie planos juntos e faça-os acontecer. O fortuna. Que possamos morar juntos, que possamos criar uma rotina juntos, uma comunhão. Que a gente cresça materialmente e nos apoiemos em nossos projetos, que nos ajudemos, que nos alinhemos. Que a nossa casa seja uma mistura de nós, a nossa estética, nossas plantas, nossos gatos, cachorros, pássaros, nosso cheiro, e o que mais tiver de ser. E que tenha um quintal para que possamos nos sentar ao fim de um longo dia de trabalho e possamos apenas olhar para o céu e apreciá-lo, em um silêncio confortante, bebendo uma taça de vinho e comendo uma comida bem confortante, contemplando o que construímos juntos, agradecidos. Que a gente se ajude nos trabalhos domésticos, mas também que não nos cobremos, que saibamos dividir esse trabalho igualitariamente, mas sem ficar no pé um do outro. Que a gente não se sobrecarregue, mas que nos equilibremos. E que a gente sempre celebre a nossa vida, que a gente sempre se divirta um com o outro. Que essa pessoa sempre me faça rir e que eu sempre a faça gargalhar com minhas piadas bobas e o meu sarcasmo. Que ela se empolgue junto com a minha empolgação com as coisas e que eu possa a escutar quando ela fala sobre as coisas que ama fazer e também me empolgue com elas. Que possamos fazer o que amamos juntos.  Que eu olhe para ela e fique encantada com a sua beleza única, que eu passe a mão em sua face com uma enorme admiração, que os nossos dias sejam repletos de palavras amorosas e toques carinhosos, beijos acolhedores e abraços acalentadores. Que seja real amor repleto de companheirismo. E há de ser. É. Está feito. Eu sei que essa pessoa está logo ali, ao alcance das minhas mãos, aguardando o tempo certo para nos encontrarmos, para termos esse mesmo propósito de vida, pois já vivemos histórias que não nos comportam mais e já sabemos o que queremos baseado nas coisas que vivemos e não foram, já que nós somos a nossa história e vamos nos reconhecer um no outro quando nos encontrarmos.

Então sigo caminhando para esse horizonte esmeraldino para além dos campos de papoula, em busca do meu lar. Em meio a tantas desventuras e confusões internas, eu sei que olhar ao meu redor, estar em contato com a minha essência, viver o agora e me centrar na terra que me aterra me faz ver claramente a miragem que se forma em minha frente e se solidifica. Posso quase tocar, está bem ali. Você aí no abismo certa vez me perguntou o que eu queria e eu não sabia te dizer o que. Agora eu sei. Me pergunto se você poderia me dar tudo isso, algo tão simples e tão complexo, e creio que muito provavelmente não. Mas saber o que eu quero torna a jornada mais leve, pois sei que o que ficou para trás não me servia e agora posso estar em busca do que me abarca. Em paz.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Reflexões não solicitadas - Fidelidade

 


Parte XVI

Se escute, sinta o seu redor, veja o que te pertence e saiba deixar para trás aquilo que não te adiciona mais nada de bom. O caminho é longo e às vezes árduo e alguns locais parecem confortáveis demais, até você ser expulso da beira do lago com as suas flores de narciso, pois aquele espaço não te comporta. O seu lugar não é ali. Escute aquela voz que te diz que você deve apenas continuar e não se deixar seduzir ao que se mostra como algo que te acolhe, mas que apenas quer te devorar. Nem tudo o que reluz é ouro. Reconheça o seu valor, agradeça e siga em frente. Há sempre lições a serem aprendidas. Agora você sabe o que não te serve e pode ir em busca de algo que te abarque e reconheça em você o seu real valor. Não se prenda aos "e se...", isso te impede de seguir em paz consigo mesmo. Um sábio homem me disse que o caminho para a plenitude é árduo, sempre aparecerão empecilhos na caminhada, desvios. Mas o caminho continua independente de você se desviar dele ou continuar a sua caminhada, é só saber a hora de retomar. É um eterno retorno, a roda sempre gira e cabe a você se ela te leva ao topo ou se te joga no abismo.

O tolo te levará à beira do precipício com a promessa de que você pode voar e alcançar os céus. Mas ao ser contrariado, ele irá te empurrar e te ver cair, se perguntando o que ele fez de errado, virando as costas e lavando as suas mãos. A hipocrisia de não assumir os erros é uma das faces sombrias das nuances humanas. É sempre o outro o problema. O tolo acaba culpando o enganado por ter se deixado ser empurrado. O tolo é aquele que sorri para a câmera fingindo estar tudo bem enquanto os seus erros são varridos para debaixo do tapete. Mas uma hora ele mesmo tropeça nesse montinho de sujeira e se pergunta como que chegou naquele estado.

Tente tirar a venda de alguém que se recusa a ver a luz da verdade e o verá cego e tentando atacar o ar, afim de atingir o mensageiro. Estar dentro da caverna incapaz de ver o mundo real e estar envolvido por sombras é muito mais confortável. A verdade pode ser distorcida de várias formas, e assim deixa de ser a verdade para se tornar a sua versão dos fatos. E as pessoas acreditam naquilo que melhor convém a elas por não aceitarem o gosto amargo da realidade. Talvez seja um mecanismo de defesa, talvez uma forma de não assumir o pior dos outros ou de si mesmos. Mas não somos maniqueístas. O bem e o mal existem em nós em tons de cinza. Assumir os erros e trabalhar em cima deles deveria ser a melhor escolha. Devemos buscar aprimoramento ao invés de fingir estar tudo bem e estarmos pendurados no mesmo lugar.

Portanto esteja alinhado com a sua consciência e assuma os seus erros. Veja toda essa conjunção que aparece em sua jornada como um emaranhado de duras lições a serem aprendidas. E seja fiel a você, pois no final das contas, por mais belas que as palavras possam soar, o outro só te admira enquanto for conveniente a ele e palavras são jogadas ao vento, vento querido, para serem sopradas para além mar e se perderem no tempo que nos perpassa. Se alguém não quer estar contigo pelo seu belo e pelo seu feio, talvez os seus braços não deveriam pertence-los. E por mais difícil que seja, saiba reconhecer as suas limitações e procure trabalhar as suas sombras. Somos seres mutáveis e podemos esculpir nossas virtudes até tornarmo-nos versões melhores de nós mesmos. Que a pessoa se vá, é uma escolha crescer juntos ou buscar outras jornadas. Foque em você, no final das contas é contigo que você terá de conviver até o fim da sua vida (e além). Palavras de nada valem quando te beijam friamente a face entregando-te aos lobos e fugindo, te deixando só com todo o peso da culpa em suas costas - a culpa advinda a ti, para que o outro seja colocado em um pedestal e agraciado em prol de um castelo de areia. Mas a maré vem e vai e essa frágil construção será derrubada em sua efemeridade. Essa estrutura está fadada a desaparecer em meio as espumas do mar. O tolo não vê além, o tolo não assume os seus pecados, o tolo crê não ter o seu coração pesado, o tolo acredita estar acima de tudo e todos enquanto empurra do penhasco quem não serve mais, expondo a feiura em seu simpático sorriso malicioso.

É mais fácil dizer sim a definir o que não te serve mais e dizer não. O tolo se revolta quando você define os seus termos que não soam convenientes a ele. Ninguém quer abrir mão do que lhe parece confortável, pois estourar a sua bolha pode ser caótico a priori, e não há reais garantias. Mas será que vale a pena se prender ao familiar quando o novo te oferece novos horizontes? Você só interessa ao tolo enquanto não vê o lobo em pele de cordeiro e se deixa enganar pelas suas palavras de insidiosa admiração. Mas você é o cocriador da sua história e precisa estar ciente do que quer e definir o que não condiz com os seus passos, para dar espaço a um caminho mais preciso em sua história, feito com escolhas que fazem sentido para você, e não àquilo que te causa estranheza ao experienciar esse novo que te convida ou o velho que não te acolhe mais em sua plenitude. Não fique em um lugar que parece te rechaçar com olhos gélidos e raivosos, pois as suas garras serão afiadas e vão se agarrar a esse castelo de areia, tenebrosos das suas vãs realidades distorcidas, vendo-o desmoronar diante de seus olhos, mas tentando colocar a sua ruína de pé enquanto a maré sobe e leva tudo embora.

Não se culpe, não quando a situação vem até você e te ludibria com belas palavras e propostas, enquanto você vai aos poucos cedendo internamente. De quem era a responsabilidade nessa situação? Mais fácil pedir desculpas ao enganado e fingir que nada fez, do que assumir a sua culpa e encarar as consequências dela. Mas entenda que cabe apenas a você tirar a venda dos teus olhos. Deixe-os fingir que está tudo bem acreditando nas verdades não contadas e mentiras disfarçadas. Continue a sua caminhada quando a realidade vier à tona, você deixou se enganar tanto quanto, apenas soube tirar a venda por si só. Pessoas fazem escolhas e escolhas têm consequências. E você escolheu seguir em frente. E está tudo bem.

Você é muito maior do que tudo isso, do que todos eles que ficaram para trás. Você é protagonista da sua história. E a sua história é digna de ser contada e inspirar os que te rodeiam e te amam. Você é muito mais do que o que viveu e não deu certo. Olhe ao seu redor e veja tudo o que você construiu, todas as pessoas que você alcança todos os dias, as vidas que você muda para melhor. Você também guia, você também transforma quando se permite sair deste local murado em que se esconde, desperdiçando toda essa vitalidade que te escorre os lábios em eloquentes palavras de profundo saber. Quem não está alinhado contigo, com essa grande força que emana de ti, que fique para trás e conviva com as suas tórpidas escolhas. Virtutis michi nunc contraria.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Reflexões não solicitadas - O lobo

 


Parte XV 

As suas águas me inundaram. De novo. E de novo. E de novo. Enquanto eu tentava caminhar para além do horizonte que se apresentava para mim. O seu calor me cercou aconchegante e me permiti mergulhar em suas águas profundas, para me afogar em ti. Agora alcanço a superfície, pesando em meus pulmões essa água suja e chumbosa. E então sou julgada por essa bússola me apontando os erros, pesando o meu coração em sua balança. Mas para onde a bússola aponta senão para o seu portador, enquanto se cobre de véus e enxerga a verdade distorcida de um falso absolutismo baseado em julgamentos superficiais da realidade que se cerca? Nada está em preto e branco e o tempo vem para nos arrancar convicções e nos tornar maleáveis dentro das nossas vivências traumáticas e desregradas.

E como estão essas águas agora? Talvez levemente agitadas enquanto o meu céu se cobre de nuvens negras. Vana salus semper dissolubilis. Me sinto caminhando em lama, aguardando ser devorada pelos lobos por me tornar uma presa fácil. Até onde a nossa história está submergida em suas águas, obscurecida por sua conveniência? O que veio à tona e o que continua em suas profundezas incapaz de ver a luz do dia? As suas águas vieram de encontro ao meu espaço, dividir a minha cama, aconchegar-se em meus braços, aproveitando-se da minha vulnerabilidade solitária, me cobrindo de elogios e carinhos, me tornando desejosa e febril. Agora já não sirvo mais ao seu bel prazer, então decido partir pois não sou mais bem vinda. E eu preciso caminhar entre a lama e procurar um outro lar que me acolha enquanto deixo para trás essa história repleta de desejos velados para encarar a tempestade que me cerca. Deveria abrir a caixa de Pandora? E se eu a abrisse, você seria o pendurado em um mundo em que os homens são lobos organizados em matilhas e as mulheres as castras detentoras de toda a sabedoria intuitiva e vilanizadas em seus desejos carais? Ou você seria apenas coroado por uma rainha de copas enquanto a minha cabeça é cortada, alimentada aos lobos?

Eu me encontrei novamente nessa encruzilhada e tentei fazer as minhas escolhas infrutíferas. Eu escolhi por várias vezes o sim. Mas você me bloqueou repleto de nãos. Eu escolhi o sim quando me aproximei de você e me senti cativada. Você veio com o não quando as minhas palavras te pesaram em cobranças. Eu escolhi o sim quando tentei te mostrar o fardo dos meus pensamentos frenéticos. Você veio com o não quando ignorou os meus suplícios de compreensão por acha-los exasperados. Eu escolhi o sim quando insisti em querer te ver. Você veio com o sim quando deixou nas entrelinhas que queria reviver o que tivemos em uma possível despedida. E escolheu o não quando me pediu para ficar no meu espaço, desinteressado. E só então entendi que já não havia mais lugar para mim no seu recintuoso abismo. E fui inundada por essa taciturna dor que me atormenta em noturnos desejos desesperançosos. Mas você apenas transpareceu o que te servia? Seria apenas eu jogada aos lobos nessa história, ou você revelou a sua verdadeira face quando precisou encarar as consequências de suas investidas ao recrear-se nos sentimentos alheios?

Você roubou o meu fôlego e agora me vejo pálida em face ao caminho que anunciou-se e tento deixar para trás a nossa história. Preciso atravessar essas pedras escorregadias sem saber se retorno para a minha estrada e sigo em frente deixando essa paisagem agora sombria e nebulosa cuidadosamente, ou escorrego e me quebro imobilizada neste espaço solitário, precisando me dar um tempo de cura.

Não há nada de belo em nossa história quando a sua insistência só se estende ao seu deleite e já não te serve mais quando há obstáculos nestas águas. Não há nada de admirável nessa sua face retraída. Eu preciso limpar a lama dos meus pés e deixar mais uma história desfalecer, seguindo em frente curvada, carregando esse peso em minhas costas até poder caminhar de cabeça erguida novamente e admirar o meu redor. Mas e quanto a você que fica aí? Tudo se encaixa como se nada fosse, pois estar no lugar do Imperador é sentar-se acomodado em seu trono e reinar sendo servido em um mundo que molda-se a ti.

Eu vou atravessar esse espaço eventualmente e retornarei às belas flores que me cercam para encarar mais um dia da minha história finita, pois enquanto não sou ceifada, preciso semear outras histórias e deixar os narcisos apodrecerem a beira desse lago, pois Narciso acha feio o que não é espelho. E eu preciso continuar em busca do meu horizonte de esmeraldas para retornar ao meu lar.


domingo, 10 de julho de 2022

Reflexões não solicitadas - Espera

 


Parte XIV 

A vida é movimento. Às vezes parecemos estar pendurados e precisamos enxergar as coisas de outros ângulos. O nosso redor está sempre mudando de alguma forma. As estações, os ciclos das plantas, as horas, as pessoas que nos rodeiam, o clima, a lua, os ventos. Nada fica de fato parado, por mais que nos sintamos assim. Crises passam, monotonia é momentânea, pessoas vem até nós e continuam os seus eternos ciclos, conhecimento vem, novas músicas nos alegram o dia e amores também terminam, dando lugar para novas experiências. E talvez um amor pra vida toda seja possível, quando entendemos onde queremos chegar e trilhamos o caminho necessário, sem nos permitir estagnação e sensação de sufocamento ou insegurança. Bons relacionamentos são claros e acordados, não baseados em ver no que vai dar. Vai dar sempre em algum lugar, mas saber o que queremos facilita o movimento dessas uniões de vidas e planos. A união entre duas almas é querer chegar juntos em algum lugar, sempre em movimento, sempre indo além.

Hoje posso sentar-me neste local cercada de flores e observar o meu redor, reinando esse espaço que me cerca, observando com mais clareza e de forma mais amorosa o que me rodeia, o que está no meu caminho, quem caminha comigo. Sei que terei de continuar a minha caminhada, mas permito-me sentar-me neste espaço mental e refletir sobre quem eu sou. E posso estabelecer novas estratégias, curar-me, aceitar que o que ficou para trás precisa partir e continuar o meu caminho que se estende muito além desse espaço de aconchego, repleta de amor por quem estou me tornando. Tenho muitos lugares para ir, não posso mais estender as mãos para o que já não me serve mais. Caminho apreciando as belas chananas em meu caminho crescendo selvagemente por esta estrada, repousadas por borboletas amarelas. Um lembrete de que a vida se transforma, independente dos caminhos que se abrem para nós e onde agora estamos.

Agora eu só quero estar aqui, repousando, sentindo-me satisfeita pelas minhas escolhas, sabendo que meus caminhos sempre estiveram abertos e não fui eu a covarde me escondendo em muros intransponíveis, sempre aberta para resoluções, para o novo, para encruzilhadas que trouxessem resoluções, certeza de qual caminho tomar, paz interior, manifestações de novos ciclos nesta constante história, novas rotas, novos lugares. Eu estou e assim continuo, sentindo um certo aperto no peito por ver belas histórias desperdiçadas por egos inflados narcisísticos. Mas isso também passa, assim como o luto mais devastador. Eu já neguei, eu já me revoltei, já barganhei, agora ainda me deprimo pela história não vivida, mas aceito aos poucos que fiz tudo ao meu alcance. E sigo em frente, me permitindo descansar e meditar sobre o que ficou para trás.

Agora já abraço o novo e posso guiar-me mais leve por essa estrada tortuosa, sabendo que a terra do nunca se distancia de mim. Não sou mais uma criança esperando que tudo fique igual, lidando com o medo de me arriscar no mundo real, isolando-me tentando fugir das badaladas de Cronos. O tempo não para.

Já não te sinto mais e minhas mãos não se estendem procurando resgatar-te desse abismo. Agora entendo que ali é o seu lar e você conforta-se com a vida que construiu ao seu redor, mesmo com rachaduras destruindo as frágeis paredes que você levantou para se refugiar intocável. Que mantenham-se firmes enquanto você isola-se. Quod per sortem sternit fortem.

Hoje mergulho neste lago como uma sereia mesmerizante, celebrando os movimentos que a vida faz, levantando as taças repletas de sentimentos amorosos, pausando e aproveitando aquilo que me é oferecido, pois nunca saberemos o que nos espera se nos entregarmos a negação. Fique bem. Te amo, mas já não te espero mais.

quarta-feira, 6 de julho de 2022

Reflexões não solicitadas - Mergulho



 Parte XIII

Mergulhei nessas águas doces que me banharam como um abraço que me suspende do meu tempo e espaço e me faz retornar deslumbrada. Mergulhei e agora sinto que pertenço a esse lugar, mas também que os meus pés não encontram o chão. Como o canto de uma sereia, me sinto atraída a este local, afogando-me nestes lábios em busca de saciedade para a minha ninfómana sede que me faz querer passar horas dentro deste local sem preocupar-me com os ponteiros que sempre estão em movimentos constantes seguindo seu rumo em busca de finitude que retorna para o mesmo ponto de encontro. Um ponto cego diante de uma infinidade de caminhos que se alastram para o meu horizonte esmeraldino.

Eu me vejo refletida nestas águas e me vejo iluminar essa noite escura de lua nova. Eu flutuo nestas águas com o toque aveludado que me carrega para o universo que se expande acima de nós.

Me entrego às taças que se celebram amorosamente, entrelaçando os braços em possíveis amores improváveis. Seriam essas águas capazes de manter esta tocha que carrego incandescente termalizando-as? Ou sou transformada em fumaça transportando-me para essas lâminas que me bloqueiam a caminhada, confusa nesta encruzilhada que apresenta-se com o peso das consequências de sentimentos vedados?

Me vejo revisitando o abismo de promessas nefastas que tranquei em uma caixinha, e a chave agora é minha para usá-la em propósitos que me satisfaçam, deixando para trás esse espaço que já não mais me nutre. Rememoro-o dos seus plácidos sussurros em nossos momentos de deleite, ou apenas deixo-o murando-se em seus trôpegos sentimentos que me apartam enquanto a sua torre se racha de dentro para fora? E por que a mim importa se você abriu os portões para outra adentrar-te o seu templo, quando ainda te vejo no topo da torre observando esse local árido indiferente?

Encontrei-me neste oásis e temo ser apenas uma miragem para sair deste deserto em que você me aprisionou. À beira deste lago ainda colho narcisos e mergulho na esperança de poder tocar os pés no chão, encontrando um ponto de equilíbrio para fincar-me em um local que me abarque e torne-me permanente. Vejo emergir dessas águas ninfeias que me enfeitam o corpo enquanto me banho. Sinto-me irradiar.

Então lembro-me do sabor azedo da sua coalhada no café da manhã. Do café com canela que você me agraciou quando ainda me olhava admirado com um novo despertar que te alentava. Das nossas gargalhadas ao alvorecer, do cheiro de tangerina em meu corpo nu e da textura macia e quente dos seus lábios que me saboreavam ávidos. Do seu rosto explodindo de prazer e gozo enquanto me preenchia de vida e afago. Dos seus dedos saborizados de alho e suor, das suas mãos passeando em meu corpo vagarosamente enquanto nossa cinesia era embalada pelo som do mar, entrelaçando-nos em um abraço que nos mesmerizava. Ludo mentis aciem.

Eu revisito esses momentos na esperança de fazer o tempo retornar e quebrar o relógio. Queria que fosse a hora do chá para sempre. Mas agora eu apenas me refresco em outras águas e não posso quebrar a ampulheta, pois as areias do tempo apenas se espalham pelo ar tornando-se caóticas e selvagens. Que Morpheus invada os teus sonhos e que torne perpétuo o que fomos e o que poderíamos ser encravados em suas memórias, te fazendo se questionar como seria se você se permitisse celebrar dessa taça dionisíaca que te ofereci. Eu te amei, eu te amo, eu te amarei, como um relógio quebrado que congelou os ponteiros na mesma hora. 11:11.  

E sou sempre revisitada por borboletas amarelas que me despertam para o amanhã esperançosa, cheio de possíveis bifurcações que me levam e me trazem, que avançam e regridem. Eu vou, mas volto, fico e parto. Como as ondas desse mar profundo. Que ele invada o teu abismo e te faça flutuar novamente, como a noite em que celebramos juntos o início dessa jornada. Eu parti desse abismo pelos campos de papoulas, levando um pedaço precioso de ti que talvez um dia te faça falta. O caminho pode ser percorrido a qualquer instante, mas o que você achará nesta caminhada já não será o mesmo, como um coelho branco correndo para um lugar inexplorado.

sábado, 2 de julho de 2022

Reflexões não solicitadas - Permanência

 


Parte XII 

Eu quero ficar aqui, mas aqui por ora me parece impermanente. Tudo o que vem, passa. É como o ponteiro de um relógio anunciando a passagem das horas. Aquele momento chega e se vai. Eu mesma estou e já não estarei. Eu quero ficar aqui me vendo refletindo-me em suas águas miragens de um possível futuro que não parece me pertencer. O que tiver de ser, será. Mas conheço essas águas e sei que eu posso me afogar nelas até sufocar. E se eu não conseguir mais emergir?

Eu incendeio em desejos e te vaporizo. Minha passagem é intensa e modificadora. Minha permanência é calma e abranda as águas. Vapor sobe, vapor se precipita, alimentando a natureza ao redor. Sou repleta de camadas como os sulcos no tronco de uma árvore, contando histórias de uma vida finita, porém plena. Sou permanente e me finco no chão, enraizando-me na minha passagem neste tempo que tudo leva, pois tudo levo. E aqui fico, se me permitir ficar. Dorsum nudum fero tui sceleris.

Queria poder te abraçar sem o peso da culpa de um desejoso carinho. Aquele abraço com o corpo inteiro, alongado, sentindo o calor que nossos corpos emanam, vibram, contagiados por um desejo visceral que nos conecta a algo selvagem e ancestral. Eu te sinto como a terra que piso os meus pés, aterrando-me. Uma conexão mais antiga que o meu próprio tempo. Conexões que o tempo não leva. Conexões que poderiam ser permanentes se nosso tempo mundano não nos confundisse as histórias. E se eu fosse a sua história? Desperdiçaríamos o nosso tempo com outros abraços? Ou os outros abraços nos contam que há outras histórias e aqui foi só um encontro acidental? O que posso fazer é caminhar enquanto encaro essa bela visão de possibilidades que me parecem errôneas querer. Será que retornarei a esse lugar? Ou serei Tétis, destinada a outro caminho? No momento colho narcisos na beira desse lago, encantando-me com a beleza desse local que me acolhe, mas me torna a mente fantasiosa de uma história que não tem para onde ir.

O que colher nesta caminhada que se alonga? Estarei de encontro a um alguém que me abranja ou estarei apenas caminhando solitária, apreciando a paisagem repleta de coragem, amor e só com os meus pensamentos que me perpassam? Para onde os sapatos de rubi me levam? Não posso mais desperdiçar os meus ciclos com histórias vãs. Caminhos de uma estrada tortuosa que se conecta com desvios que se colidem deixando rachaduras, me tornando desconfiada. Quais certezas tenho aqui? E se há dúvidas, que respostas deveria buscar? Ou deveria silenciar-me, respirar fundo e apenas ir-me para longe antes de transformar esta bela paisagem numa furiosa tempestade que destrói o seu entorno? Terei a minha cabeça cortada se insistir?

Estou exausta e sinto que os anos me perpassam e me torno envelhecida nesta estrada que se estende. Eu queria poder mergulhar nessas águas e fincar o meu lar aqui, e isso me torna tão desejosa de encher essa grande taça e banhar-me alegremente enquanto entoo as minhas doces notas ao ar. E o que isso me torna quando sei que deveria ir, mas quero ficar? Já não posso apostar em uma história que não é mais minha.

Ainda assim espero que você transborde e que as suas águas venham até o meu encontro, abarcando-me em sua tranquilidade, levando-me para o outro lado do lago, atravessando mais rapidamente esse caminho para onde preciso ir. Sem culpa, sem medo, sem desilusões. Que seja real o que desejo. Mas talvez eu apenas precise virar as costas e partir ao encontro de outro lugar. Você ainda pode me encontrar aqui, se assim o quiser. Mas logo me vou e talvez eu vire apenas uma miragem longínqua no horizonte que se apresenta no meu caminho.