sábado, 25 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - Horizonte

 


Parte VII

Eu já não te sinto mais. Eu procuro me religar a você, mas a nossa conexão foi cortada desse fio prateado que me prendia a ti. Você vibra tão baixo que te observo no abismo, estagnado. Eu preciso sair desse lugar e já não mais descer para poder me reencontrar contigo. Tudo está aparentemente bem em minha vida, mas a sua energia ainda me paralisa e preciso me apegar às boas memórias para fingir que nossa história foi mais do que algo efêmero e fugaz. É você, é sempre você, que me assombra os pensamentos fazendo-me sentir que algo não se encaixa, quando todas as peças estão postas à mesa. Você é a peça que não se encaixa e agora eu tento ver que você não faz parte daqui.

Eu te vejo no fundo do abismo não porque você não queira subir ao topo, mas porque você pesa. O seu coração de chumbo te impede de subir e te vejo confortável ali, ignorando a minha árdua escalada. Você me atraiu até esse lugar e percebo agora o quanto tive de descer tão baixo para te encontrar. E quando já não te servia, você se adentrou para esse rochoso local murado, enquanto eu me impedia de voltar para a superfície. Lamento tanto por ti, que se esconde nas sombras para evitar que dias melhores venham. Que procura justificativas para o seu distanciamento camuflado de intelectualoidísmo e experiências amargas, ignorando que cada pessoa carrega um mundo nas costas e existem outros caminhos trilhados que não te levam para o mesmo lugar que você já encontrou antes de mim. Você não precisa rolar até o topo da montanha uma pesada rocha, apenas para vê-la cair de novo. E de novo. E de novo, Sísifo. 

Preciso enfim alcançar o topo e me deitar nos campos de papoula, imersa em uma névoa inebriante que me torna sonolenta e opiosa, e olhar além do arco-íris para seguir em frente nessa esplêndida aurora. Mas como me desapegar de uma promessa de algo que parecia tão alinhado comigo? Quem virá depois de você, afinal? Ou precisa vir alguém, quando tenho tanto para me acalentar na noite sombria da minha alma, e tomar o seu espaço?

E eu me volto para ti e percebo o quanto deixei de lado algumas convicções para te agradar os desejos. Um fragmento de mim ficou no topo do abismo e abracei sombras que acreditava já superadas, inebriada por seus doces sussurros de erotismos que me puxavam mais para o fundo do seu abismo. Preciso sair daqui, pois este espaço já não deveria mais me interessar. E uma hora terei de expulsar as sombras e buscar no topo do penhasco juntar as minhas peças que deixei de lado em troca de aceitação, afinal de contas sinto que apenas parte de mim foi acolhido aqui. Mereço alguém que me abarque toda. Existe uma frieza oca em seu peito que me machucou, atravessada por sua afiada espada. E eu gritando como Eco ignorada por Narciso, em busca da minha própria voz, me permiti acolher-me numa caverna avistando apenas as sombras mundanas que me elucidam os sensos, tentando me encaixar numa história fadada a um epílogo contemporâneo e banal.

Mas não se engane, te amarei e carregarei a sua lembrança para o resto do meu caminhar além do horizonte. E eu sinto muito, pois não posso te tirar do seu abismo se aí você escolhe estar, pois esse local já não me acolhe mais, já não me reconheço aí, já não sou mais a mesma, metamorfoseando-me e me ramificando entre as múltiplas que sou e estou. Eu já não mais me reconheço naquela que te mostrou os medos que me apavoram, esperando acolhimento. Existe algo de perverso nesse seu olhar cortante que me destruiu. E eu te perdoo por ter me ceifado dos seus braços em busca de alguma solidão que você chama de falta de comprometimento. Todo o belo fascínio que tenho por ti afoga-se em minhas águas internas para ser transformado em ondas que vêm e vão em minha mente tempestuosa, quando poderia estar em águas calmas, flutuando nesse cristalino mar que espelha o céu. Eu te perdoo por ter me causado esse maremoto interno de um Netuno enfurecido, pois daqui eu fui me aprofundando mais em minhas facetas e redescobrindo talentos adormecidos, me conectando a forças que julgava perdidas, domando esse selvagem leão que me conecta com algo de feral em mim. 

Eu te amo, pois você veio até mim em um momento confuso e  me ajudou a ver outros ângulos da minha caótica história. E eu sei que a minha mente confusa neste solstício de verão, de paixões desoladoras e errôneas, te atraiu como feromônio, como uma abelha pousada em um girassol em busca de néctar  para saciar a fome de alguma experiência relevante. Eu sei que fui significativa para você e que você quem decidiu se vendar e se armar com sete paus para defender a sua visão idealista da sua vã filosofia de vida, pois você parece afastar qualquer laço que te acolha, repleto de julgamentos afiados, como se fosse o meu juiz, me tornando inapta para estar em sua vida. Encaixotado em um isolamento que te paralisa.  Eu te vejo se autodestruindo sem raízes para fincar no chão e se nutrir.  Sors immanis et inanis.

E eu te perdoo enquanto subo esse seu abismo te deixando para trás, de mãos vazias. Outras virão até ti, mas quantas serão como eu? Depois de mim o que será que vem? Quem fará a sua roda girar e te fascinará, repleta de conhecimentos de mundo e referências que se encaixam em nossas trocas? Seus parâmetros são outros, agora que advim em sua vida? Os meus são, depois que me cruzei com você. Você se dá conta disso? E eu seguirei a minha jornada em busca de mais peças que me completem e se encaixem, semeando nesse caminho bons frutos para me enraizar em terra firme e farta. E me verei florescer, assim como as chananas em meu caminho, saindo dessa terra árida para onde você me conduziu, me abandonando.

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