quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Reflexões não solicitadas - Despedidas



Parte XX

Deixe-me ir, querido, com as doces memórias dos momentos que tivemos. Será que você se perdeu em profunda tristeza, ou você era o espelho que me refletia mostrando a beleza de mim? Hoje vejo ecos do homem que você era. Não há doçura nas suas palavras ressentidas. Mihi nunc contraria. Como continuar admirando nossos momentos ternos quando você se amarga na mais breve menção do que fomos e se recusa a construir novas memórias?

Deixe-me ir em silêncio. Já conheço o caminho percorrido depois de você. Estendi a ti as minhas mãos para essa longa caminhada e fui novamente rejeitada. Mas já consigo seguir em paz ciente de que há vida após você. Eu não sou a tua salvadora. E como haveria de ser? Sou talvez parte da sua ruína, o gosto agridoce de uma bela história que parecia boa demais se não fôssemos tão complexos em nossas individualidades, perdidos em traumas que nos perpassam, nos impedindo de viver histórias sem o amargor daquilo que nos tornou tão temerosos em compartilhar uma vida a dois, na pureza que uma nova história deveria ser. Mas nos isolamos tolamente em nossas prisões mentais, deixando que o peso de escolhas erradas nos direcionasse para um fim inconclusivo, sem redenção ao final.  Você já tem respostas para as suas desventuras, e não faço parte delas. Não mais. Sou apenas um subterfúgio de desejos tortos que te assolam em noites solitárias e te afundam em distorções dos meus mais profundos segredos sujos. Eu não sou a tua salvadora, mas um desvio que te serviu com o propósito de te tirar brevemente de uma vida sem brilho que te assombrava lentamente. E agora você se afunda nessa escuridão enquanto eu procuro ser a luz que me guia para longe deste seu espaço abismal.

E eu não preciso de um salvador, a minha caminhada solitária me permite enxergar as cores do mundo com cuidado,  toda a luz e sombra que se refrata em penumbra entre esse momento que saio desse abismo que se colocou entre nós. Além do arco-íris posso ver que há outro final feliz para mim. E eu mesma me conduzo a essa história, pois sou a protagonista da minha vida e você sempre foi um capítulo nesta saga contínua que me reverbera para além deste lugar em que você nos limitou.

Eu queria que fosse você. Por todo esse tempo eu sonhei que era você. Como uma taça transbordando sendo ofertada. Você foi esse amor cheio de potencial. O que teria sido? Eu não sei. Hoje vejo apenas a sombra de um homem que se perde em meio a tanta descrença e falsa modéstia, que parece desistir do mundo com um amargor expelido por não estar neste lugar-comum como esperado e cobrado que você estivesse. Mas nada se espera de você, entenda. As suas não conquistas dizem respeito apenas a você e são consequências de suas escolhas e apenas delas. E quem é você? Que diferença faz para o mundo a sua trajetória? Você se afunda em remorso disfarçado de um orgulho tolo por tudo aquilo que você não é e nem fez questão de ser. Não seja. Você é só poeira cósmica em uma ínfima presença neste tempo-espaço que perpassa. Assim como eu. Que a gente procure não mais criar complicações que nada nos adicione. Que a gente nos permita mais, deixe o tempo nos guiar para novas histórias, abertos a toda a complexidade que carregamos com acolhimento, não mais repulsão. Se não é para ser, que nada nos prenda a uma malfadada história. Sigamos, leves do peso de que poderíamos ter feito mais ou nos entregado menos. Já passamos e tivemos bons momentos que posso guardar neste mar de memórias que me invade como ondas. Eu sei das minhas tentativas e erros. Eu sei que insisti e fui sempre aberta a novos retornos enquanto você me respondia com rejeição. Que seja. Isso passa. Tudo passa. A gente passa. E eu passo adiante, procurando não mais olhar para trás para um breve patético momento de acolhimento oferecido. 

Que seja, que não seja. O que haverá de ser. Que é. O que não é. Não somos. Eu entendo, e te liberto para seguir adiante pelos seus caminhos por ora solitários. Talvez as moiras nos teçam novas histórias ou nos conduzam a velhos caminhos e novos personagens adentrando em nossas trajetórias. Tudo é cíclico e há uma certa previsibilidade nas linhas que nos costuram as vidas. Não há pontos finais na roda da fortuna. Talvez haja mais amorosidade em um futuro próximo. Aqui sempre haverá um lugar de perdão e acolhimento. Aqui há amor.

Mas deixe-me ir agora seguindo pelo caminho que se estende daqui. Há loucura nas minhas escolhas, eu sei. Uma busca por uma conexão com algo maior do que essa monótona vida. Vejo sinais em todos os cantos, misticismos em todos os sonhos e pensamentos. Eu converso com o universo que me rodeia, me conecto com as energias que me protegem, eu manifesto. Há loucura nessa crença procurando ver além do que o lógico me limita. Mas há neste processo um escapismo da minha prisão mental que por tanto tempo me tornou melancólica. A melancolia já não me assombra mais, ainda que momentaneamente. Há loucura nesse procedimento, mas há esse sentimento de conexão com algo maior do que a minha mente agitada e perdida em constantes cenários de devastação e pessimismo. Este tem sido o meu local de salvação que me ilumina e atiça a minha sede de conhecimento. O que encontrarei atrás das cortinas desse véu que me venda os olhos ainda está enevoado de incógnita. Talvez não devesse mesmo me importar tanto com o velho por detrás da cortina, pois a inteligência, a coragem e o amor sempre estiveram presentes em minha trajetória. Eu sou a minha salvadora.

Eu te deixo ir. Te prometo. Já não te buscarei. Siga em paz. Fique bem. Seja feliz. Eu não tenho mais pretensões de te manter preso ao que fomos e não fomos. Não fomos. É uma pena. Mas te liberto desse nó que nos prende em algum emaranhado de possibilidades que nunca se concretizaram. Há outras histórias a serem contadas. Confia. Ainda não é o nosso último suspiro.  E talvez a roda da fortuna nos conduza de volta com uma nova vivência e visão de mundo para nos enchermos de risos e felicidade compartilhada.


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