sábado, 2 de julho de 2022

Reflexões não solicitadas - Permanência

 


Parte XII 

Eu quero ficar aqui, mas aqui por ora me parece impermanente. Tudo o que vem, passa. É como o ponteiro de um relógio anunciando a passagem das horas. Aquele momento chega e se vai. Eu mesma estou e já não estarei. Eu quero ficar aqui me vendo refletindo-me em suas águas miragens de um possível futuro que não parece me pertencer. O que tiver de ser, será. Mas conheço essas águas e sei que eu posso me afogar nelas até sufocar. E se eu não conseguir mais emergir?

Eu incendeio em desejos e te vaporizo. Minha passagem é intensa e modificadora. Minha permanência é calma e abranda as águas. Vapor sobe, vapor se precipita, alimentando a natureza ao redor. Sou repleta de camadas como os sulcos no tronco de uma árvore, contando histórias de uma vida finita, porém plena. Sou permanente e me finco no chão, enraizando-me na minha passagem neste tempo que tudo leva, pois tudo levo. E aqui fico, se me permitir ficar. Dorsum nudum fero tui sceleris.

Queria poder te abraçar sem o peso da culpa de um desejoso carinho. Aquele abraço com o corpo inteiro, alongado, sentindo o calor que nossos corpos emanam, vibram, contagiados por um desejo visceral que nos conecta a algo selvagem e ancestral. Eu te sinto como a terra que piso os meus pés, aterrando-me. Uma conexão mais antiga que o meu próprio tempo. Conexões que o tempo não leva. Conexões que poderiam ser permanentes se nosso tempo mundano não nos confundisse as histórias. E se eu fosse a sua história? Desperdiçaríamos o nosso tempo com outros abraços? Ou os outros abraços nos contam que há outras histórias e aqui foi só um encontro acidental? O que posso fazer é caminhar enquanto encaro essa bela visão de possibilidades que me parecem errôneas querer. Será que retornarei a esse lugar? Ou serei Tétis, destinada a outro caminho? No momento colho narcisos na beira desse lago, encantando-me com a beleza desse local que me acolhe, mas me torna a mente fantasiosa de uma história que não tem para onde ir.

O que colher nesta caminhada que se alonga? Estarei de encontro a um alguém que me abranja ou estarei apenas caminhando solitária, apreciando a paisagem repleta de coragem, amor e só com os meus pensamentos que me perpassam? Para onde os sapatos de rubi me levam? Não posso mais desperdiçar os meus ciclos com histórias vãs. Caminhos de uma estrada tortuosa que se conecta com desvios que se colidem deixando rachaduras, me tornando desconfiada. Quais certezas tenho aqui? E se há dúvidas, que respostas deveria buscar? Ou deveria silenciar-me, respirar fundo e apenas ir-me para longe antes de transformar esta bela paisagem numa furiosa tempestade que destrói o seu entorno? Terei a minha cabeça cortada se insistir?

Estou exausta e sinto que os anos me perpassam e me torno envelhecida nesta estrada que se estende. Eu queria poder mergulhar nessas águas e fincar o meu lar aqui, e isso me torna tão desejosa de encher essa grande taça e banhar-me alegremente enquanto entoo as minhas doces notas ao ar. E o que isso me torna quando sei que deveria ir, mas quero ficar? Já não posso apostar em uma história que não é mais minha.

Ainda assim espero que você transborde e que as suas águas venham até o meu encontro, abarcando-me em sua tranquilidade, levando-me para o outro lado do lago, atravessando mais rapidamente esse caminho para onde preciso ir. Sem culpa, sem medo, sem desilusões. Que seja real o que desejo. Mas talvez eu apenas precise virar as costas e partir ao encontro de outro lugar. Você ainda pode me encontrar aqui, se assim o quiser. Mas logo me vou e talvez eu vire apenas uma miragem longínqua no horizonte que se apresenta no meu caminho.


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