quarta-feira, 6 de julho de 2022

Reflexões não solicitadas - Mergulho



 Parte XIII

Mergulhei nessas águas doces que me banharam como um abraço que me suspende do meu tempo e espaço e me faz retornar deslumbrada. Mergulhei e agora sinto que pertenço a esse lugar, mas também que os meus pés não encontram o chão. Como o canto de uma sereia, me sinto atraída a este local, afogando-me nestes lábios em busca de saciedade para a minha ninfómana sede que me faz querer passar horas dentro deste local sem preocupar-me com os ponteiros que sempre estão em movimentos constantes seguindo seu rumo em busca de finitude que retorna para o mesmo ponto de encontro. Um ponto cego diante de uma infinidade de caminhos que se alastram para o meu horizonte esmeraldino.

Eu me vejo refletida nestas águas e me vejo iluminar essa noite escura de lua nova. Eu flutuo nestas águas com o toque aveludado que me carrega para o universo que se expande acima de nós.

Me entrego às taças que se celebram amorosamente, entrelaçando os braços em possíveis amores improváveis. Seriam essas águas capazes de manter esta tocha que carrego incandescente termalizando-as? Ou sou transformada em fumaça transportando-me para essas lâminas que me bloqueiam a caminhada, confusa nesta encruzilhada que apresenta-se com o peso das consequências de sentimentos vedados?

Me vejo revisitando o abismo de promessas nefastas que tranquei em uma caixinha, e a chave agora é minha para usá-la em propósitos que me satisfaçam, deixando para trás esse espaço que já não mais me nutre. Rememoro-o dos seus plácidos sussurros em nossos momentos de deleite, ou apenas deixo-o murando-se em seus trôpegos sentimentos que me apartam enquanto a sua torre se racha de dentro para fora? E por que a mim importa se você abriu os portões para outra adentrar-te o seu templo, quando ainda te vejo no topo da torre observando esse local árido indiferente?

Encontrei-me neste oásis e temo ser apenas uma miragem para sair deste deserto em que você me aprisionou. À beira deste lago ainda colho narcisos e mergulho na esperança de poder tocar os pés no chão, encontrando um ponto de equilíbrio para fincar-me em um local que me abarque e torne-me permanente. Vejo emergir dessas águas ninfeias que me enfeitam o corpo enquanto me banho. Sinto-me irradiar.

Então lembro-me do sabor azedo da sua coalhada no café da manhã. Do café com canela que você me agraciou quando ainda me olhava admirado com um novo despertar que te alentava. Das nossas gargalhadas ao alvorecer, do cheiro de tangerina em meu corpo nu e da textura macia e quente dos seus lábios que me saboreavam ávidos. Do seu rosto explodindo de prazer e gozo enquanto me preenchia de vida e afago. Dos seus dedos saborizados de alho e suor, das suas mãos passeando em meu corpo vagarosamente enquanto nossa cinesia era embalada pelo som do mar, entrelaçando-nos em um abraço que nos mesmerizava. Ludo mentis aciem.

Eu revisito esses momentos na esperança de fazer o tempo retornar e quebrar o relógio. Queria que fosse a hora do chá para sempre. Mas agora eu apenas me refresco em outras águas e não posso quebrar a ampulheta, pois as areias do tempo apenas se espalham pelo ar tornando-se caóticas e selvagens. Que Morpheus invada os teus sonhos e que torne perpétuo o que fomos e o que poderíamos ser encravados em suas memórias, te fazendo se questionar como seria se você se permitisse celebrar dessa taça dionisíaca que te ofereci. Eu te amei, eu te amo, eu te amarei, como um relógio quebrado que congelou os ponteiros na mesma hora. 11:11.  

E sou sempre revisitada por borboletas amarelas que me despertam para o amanhã esperançosa, cheio de possíveis bifurcações que me levam e me trazem, que avançam e regridem. Eu vou, mas volto, fico e parto. Como as ondas desse mar profundo. Que ele invada o teu abismo e te faça flutuar novamente, como a noite em que celebramos juntos o início dessa jornada. Eu parti desse abismo pelos campos de papoulas, levando um pedaço precioso de ti que talvez um dia te faça falta. O caminho pode ser percorrido a qualquer instante, mas o que você achará nesta caminhada já não será o mesmo, como um coelho branco correndo para um lugar inexplorado.

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