terça-feira, 2 de junho de 2020

Conto - O som do trovão

Dormia profundamente em meu quarto. Chovia e o vento soprava em minha janela como sussurros. De tempos em tempos ouvia os ecos que os trovões faziam, à distância, muito de longe, adentrando os meus sonhos.
Um desses trovões chegou muito perto, parecia ter caído próximo a minha janela. E com ele ouvi as palavras: quem é você? Abri os olhos rapidamente. Talvez fosse apenas uma impressão de algum sonho permanecendo em meus ouvidos. Olhei ao redor do meu quarto e apenas via as sombras dos objetos. Então veio mais um raio, iluminando o meu quarto e vi uma silhueta que tinha olhos brilhantes oscilando entre verde e vermelho, como os olhos de um gato. Assim que veio o som do trovão, ouvi de novo, mais perto: quem é você? E a imagem sumiu. 
Me levantei, liguei a luz e tentei racionalizar o que havia acontecido. Estaria eu sonhando acordado? Seria algum estado entre os sonhos e o despertar? Havia algo ali de fato? Não tive coragem de apagar as luzes e decidi ouvir um pouco de música com os meus fones de ouvido, encarando o teto. A chuva continuava forte e de vez em quando um trovão ecoava, mas não via ou ouvia nada de anormal. Era algo da minha cabeça, claro. Mas o medo paralisante e irracional me impedia de tornar a apagar a luz. 
E então, escuridão. Faltou energia. Fechei os olhos e procurei apagar o que acontecera da minha mente e voltar a dormir. Depois de alguns minutos o sono chegou e me vi caminhando nas ruas desertas, com as luzes apagadas. Olhei para o meu apartamento e vi a única luz acesa e aquela mesma figura me encarando da minha janela, com os seus olhos brilhantes. 
Trovejou. Então ouvi novamente algo que me fez despertar: saia daqui! Abri os olhos e não vi mais nada. A luz também não tinha voltado ainda. E me senti aterrorizado. Fechei os olhos e procurei respirar profundamente, tentei entrar em um estado de transe. Temia os trovões e o que poderia aparecer. 
Notei algo nas minhas costas, começou bem de leve e logo se transformou em uma respiração pesada em meu pescoço, seguido de sussurros, como alguém tentando respirar e não conseguindo, sufocando. Me virei e ao meu lado aquela figura estava deitada me olhando fixamente, com os seus olhos brilhantes, desesperados. E desapareceu. 
Senti então uma mão gélida agarrando um dos meus pés. Não quis olhar. O que estava acontecendo? Essa mão me puxou da minha cama e falava: saia da minha cama! E então parou. Eu decidi sair do meu apartamento e desci as escadas do meu prédio correndo, desesperado, procurando fugir daquela aparição. 
Vi aquela figura parada em meio as escadas. Ouvi um choro e um grito aterrorizante! Fiquei paralisado, encarando aquela figura bizarra com a boca aberta gritando e os seus olhos sendo a única coisa iluminando aquele espaço. Seus olhos me aterrorizavam! O que fazer? Voltei alguns lances e bati na casa de um conhecido. Tentei inventar uma desculpa qualquer: perdi as chaves de casa. Ele então preparou o sofá para eu dormir. Já não estava mais sozinho. Estava tudo bem.
Estava tão exausto que dormi logo em seguida. Queria apenas que o dia raiasse. Ouvi novamente o trovão. Congelei a espinha. Tinha algo ali. Aquela figura estava ao lado do sofá, me olhando. A boca escancarada, gritando: quem é você? Ele então tocou o meu rosto e desapareceu. Agora encaro o teto e não consigo mais me mexer. Estou paralisado. Escuto tudo, sinto tudo, mas não me mexo mais. Olho ao meu redor até onde consigo e no canto da sala aquela figura me encara, aterrorizada. Troveja e o dia não raiou.

Priscila de Athaides - 01.06.2020

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