Parte IV
O solstício de inverno chegou. A
noite mais longa do ano. Isso me traz na memória que te conheci no solstício de
verão. Dias mais ensolarados. Eu, quebrada. Todas as minhas peças estavam fora
do lugar, precisava encaixar as minhas confusas ideias e deixá-las calcificar.
Você olhou o meu caótico abismo mental e decidiu partir. Eu ainda escalo para
fora do seu abismo e pareço alcançar a terra firme e ensolarada, mas meus
pensamentos ainda pesam em ti, e caio. Minhas mãos não suportam o peso do meu
corpo. Eu as quebro e preciso tentar colocá-las no lugar novamente. Algo não
encaixa e fico tentando rearrumá-las. Acho que alguma coisa se perdeu no
caminho. E isso me faz retornar, desfazer, refazer, na esperança de finalizar
esse quebra-cabeça.
Me sinto como o louco me jogando
nessa jornada em busca da sabedoria. Mas estou presa em uma torre e a escuto
ruir. Me jogo mesmo assim ou espero tudo desmoronar? Você foi o meu lar de
veraneio, eu ainda sinto esse calor que me aquece o corpo emanando do que
tivemos. O barulho do mar adentrando a sua janela ainda ecoa em meus ouvidos
como se estivesse carregando uma concha marinha, levando-a comigo para os
confins da minha mente. Mas agora o inverno chegou e os dias ensolarados
ficaram para trás, e sinto os meus pés congelando, tornando tão difícil
caminhar. Estou pendurada nessas pedras, me equilibrando neste fio prateado que
me prende a ti. E já tentei cortá-lo, mas sinto que ao fazê-lo uma parte de mim
desfalecerá. Corde pulsum tangite.
Eu sei que o seu cálice já não sacia
mais a minha sede e eu preciso virar as costas em busca de outros horizontes.
Mas me apego a reminiscências de ti com medo da falência dos meus sentimentos
me tornando apática e tornando-me numa estátua de sal para o que ainda se
encontra na minha caminhada. Sei que mesmo virando as costas e seguindo em
frente, ainda assim carregarei todo o amor que tenho pelo que vivemos, ainda
que compartimentalizado ou sufocado em um profundo oceano interno. Espero que
me traga a leveza das asas de Eros e não a confusão mental de Psiquê.
Entretanto agora pesa como um dez de paus. Espero que seja o fim dessa provação
de fogo. Mas por ora te espero. Espero, pois esperança é o que Pandora
conseguiu salvar na sua caixa de destruição. Algo ainda não foi destruído.
Então continuo subindo até o topo na esperança de que você escale esse abismo
comigo. Será que consigo alcançar o topo? Ou devo me jogar, como Ismália, me
perdendo de vez em um mar de lágrimas, assim como Alice?
Talvez me contentaria com respostas,
mas o que encontraria atrás da cortina? Dentro de mim, nesse coração cravado
por espadas, eu sei que é você, sempre foi você. Você não soube ver além do
redemoinho a estrada de tijolos amarelos. O campo de papoulas está lá ao fim da
jornada. Eu poderia ter sido o seu lar. Posso, poderei, fui, sou, seremos,
somos, éramos. Cíclico. Temporal. A chuva que cai na minha janela e me relembra
que a temporada de sol já se pôs. Mas nasce o sol. De novo. De novo. De novo. E
não dura mais que um dia. Até que o solstício de verão retorne novamente com o
dia mais longo. Como poderíamos, como podemos. Como a fortuna correndo em
campos de girassóis e ainda assim colidindo com esse muro em que você se
cercou. Tento arrancar pedra sobre pedra para chegar ao outro lado do mundo e me
conectar com a água sussurrante em meus sonhos, com o vento, vento querido que
carrega encantamentos em seus redemoinhos, com a terra letrada em sigilos, com
o fogo que acinzenta o seco e fertiliza as chananas., com a casa amarela
murada. Contigo.
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