Parte X
O tempo me perpassa com a leveza do bater de asas
de uma borboleta, voando aleatoriamente pelos céus e repousando-se em meus
dedos, para logo partir. Não se pode ver e não se pode tocar o tempo para
controlá-lo, não tem como prever seus efeitos caóticos. Ele apenas vai,
independente dos nossos desejos e do que planejamos. E sem controle, pessoas
também se vão e pessoas vêm. Que tenham uma boa estadia em minha vida e que
quando partirem, que seja com boas lembranças e mais conhecimento de mundo. Que
se tornem mais sábias e se abram para novos ciclos, mas levem com elas um
pedaço de mim que lhes acrescentem algo. E deixem um pedaço delas em mim que me
transforme, me adicionando novas camadas de um complexo eu, ainda em
construção. Hac in hora sine mora.
Vejo da minha janela a sutil mudança das estações,
um tempo tão familiar e corriqueiro que oculta a face dos movimentos do
universo. O céu nunca é o mesmo e as suas movimentações tornam esse dia de
inverno diferente do anterior e do que virá. Quem eu serei lá na frente? E
quando eu me for, a lua estará nova como a dessa noite encoberta de nuvens? Ou
cheia de sentimentos e ressentimentos por coisas não vividas?
A estrada se estende longamente, mas uma hora
termina. Nem sempre ela é de tijolos amarelos. Mas seguimos em frente em busca
do nosso lar. Esse lar, algum lar, que talvez não saibamos qual é, mas uma hora
chegaremos e nos sentiremos acolhidos. Será que o fim terá algum propósito? O
que teremos semeado pelo caminho? O que deixaremos pra trás? O que levaremos
conosco?
Já se pegou pensando em como tudo teria sido
diferente com apenas um sim? Ou com um não antes de tudo o que se passou? Como
estaríamos hoje? Eu sinto que o sim e o não me tiraram de um lugar comum e
agora percebo que tudo deveria ter sido como foi. Maktub. Eu me sinto tão agigantada e te vejo lá do
alto, se apequenando em silêncio e mágoas. Esse lugar já não me serve mais. Quero
partir em paz, pois me sinto como a lagarta azul transformada em borboleta,
voando aleatoriamente pelos céus e pousando em seus dedos, para logo partir. E
quem é você?
O tempo tem esse enorme poder de fazer as
engrenagens dessa grande roda girar. O que vai, vem. O que desce, sobe. O que
inicia, termina. Não temos controle, mas precisamos de paciência para
compreendermos esse processo que nos devora, não importa o que façamos. Ver-te
ficar para trás, murando-se em seu abismo profundo, me trouxe a certeza de que
consigo superar a sua ausência, pois o tempo cura as feridas e muda
perspectivas. As chananas desaparecem e reaparecem, embelezando o meu caminho.
Os girassóis murcham e renascem. Os pássaros fazem seus ninhos em meu telhado.
Posso acompanhar esse ciclo, vendo os passarinhos aprendendo a voar enquanto
entoam seus cantos ao amanhecer. E logo se vão e outros virão. E a vida não
para, mas nós uma hora nos vamos também. Um dia Caronte vem cobrar o seu preço.
Você está feliz com o que tem para quitar a sua dívida terrestre?
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