quinta-feira, 23 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - Colheita


Parte V 

Escutei de um sábio andarilho que pessoas certas não fogem, elas ficam. Me peguei questionando sobre a predestinação das coisas e pessoas. Será que apenas existe o acaso das coisas? Meras coincidências? Será que existe algo pré planejado em algum plano astral? Ou precisamos apenas seguir com as nossas vidas e esperar a morte bater em nossas portas para adentrarmos em um eterno vazio, inconscientes de tudo o que acumulamos em vida? A vida importa? Devemos nos segurar no extraordinário agora acumulados de experiências passadas apenas seguindo para o inevitável?

Talvez isso tudo possa soar como contradições. Mas o que seria da vida sem questionamentos? O que nos moveria senão a fagulha do entendimento de como esse vasto universo que nos expande funciona? Ser ou não ser? 

Me sinto metamórfica em minha jornada, tentando me conectar com a Sibila interna, buscando entender sobre o que se foi, o que será e o que poderia ter sido. E se? Mas as coisas agora apenas estão (passageiras como sempre) e o que se passou toma um pedaço de mim, injustamente. Todos os ciclos finalizados em que me penduro, esses anéis conectados se emaranhando em meus pensamentos, me tornam imensa por dentro, mas desconectadamente me direcionam para vários cenários do que poderia ser e não foi. São as peças de um grande quebra cabeça que se encaixam pacientemente, mas algumas delas se perderam nesse tempo-espaço que se expande em minha existência fugaz. Quem sou eu no meio de tantas vivências que me perpassam? 

Me sinto às vezes vilanesca em minha própria vida, auto sabotadora, auto centrada talvez. Mas eu apenas sigo a vida em seu percurso tortuoso, tentando me encaixar nesse mundo estranho. E o tempo me carrega em ondas cíclicas que me afogam e me devolvem para a superfície, me sufocando e se adentrando em meus pulmões, pesando. Que as águas salgadas levem de mim esse pesar e me faça flutuar em águas calmas.

Cronos continua batucando como as batidas de um coração, bombardeando vida, mas contando em cada batida a aproximação da morte. Cada dia me aproximo mais desse fatídico destino, a única certeza que tenho. Descerei como Perséfone ou subirei como a amada dantesca Beatrice? Ou apenas deixarei de ser, como supernovas, tornando-me apenas um buraco negro na história desse planeta corruptível, tornando-me um túmulo desgastado enquanto os meus restos se transformarão em pó, desaparecendo no vento sussurrante? Será que o vento sussurrará o meu nome em seus redemoinhos, adentrando os sonhos dos andarilhos de minha vida?

Me sinto só em meio a tantos bilhões nessa Terra estranha. Nada me compele, ninguém me atrai nesse momento lutuoso. Sigo fantasiando sobre o que se foi, pois a minha mente floreia o que tivemos, como chananas em meu caminho. Mas as chananas são sazonais, o caminho logo será coberto de mato e lixo e talvez não encontre mais beleza ao meu redor. Mas sei que o canto dos pássaros sempre me despertará para mais uma breve jornada diurna, me lembrando de meus afazeres. A vida não para, independentemente de como eu esteja. Não, não existem tréguas, a vida segue cheia de repetições até que tudo se acabe e percebemos a brevidade de estar aqui, despertando e dormindo enquanto a vida passa nos deixando reflexões sobre o que ficou para trás. E que destino triste deixar em nossos caminhos pessoas que nos adicionam tanto em troca de momentos fugazes. Mas somos responsáveis pelas nossas escolhas, sendo destinado ou não. Existem caminhos escolhidos e devemos encarar as consequências, sendo a colheita boa ou ruim. Estamos sempre semeando em nossas caminhadas e em algum momento a foice colherá de nós os frutos.

E eu quero apenas seguir adiante, subir esse abismo para a ponta do penhasco e apenas observar o horizonte. Essa escalada me pesa tanto que às vezes desejo apenas cair e me afundar nesse mar de lágrimas sabendo de tudo o que poderia ser e não é, impedida de ver o que será agora que o pêndulo aponta para outros caminhos. Eu me vejo tão abundante em minha jornada, ramificando-me em tantos, tão elogiada, vejo-me indo além do meu quarto e sala para a porta afora, iluminando mentes que em mim buscam sabedoria. E me pego ainda assim deixando palavras cortantes me conduzirem, ignorando fatos. É você, é sempre você quem me coloca as vendas e crava o meu coração de espadas, tão tolo em si mesmo em busca de uma calmaria inexistente nas mentes tumultuosas de um mundo adoecido e agitado. Você, estagnado em seu caminho tortuoso em busca de algo que não vem, você também precisa deixar tantas coisas para trás e se envolver em um abraço que te acolha e te entenda antes da sua colheita. Quais frutos você tem plantado? Talvez não tenhamos salvação e estejamos nos destinando a uma vida vazia. Ou talvez eu não, eu tenho tanto amor para dar e tantas portas para abrir ainda, eu sou um marco para tantos, a suma sacerdote empunhando o dourado ensinamento, confortando, alcançando potenciais e expandindo-os, colidindo com universos outrens, adicionando novos caminhos para além do arco-íris em quem vem até mim, e isso é tirar as vendas e entender o que se mostra diante de mim, dos meus pupilos que me abarcam em suas doces palavras de admiração. Ao menos uma parte de mim faz parte dessa bela jornada que eles seguem. Afinal, eu sou tantas multiplicando-me internamente. Sou legião. Sou multifacetada. Sou um universo inteiro repleta de camadas. Eu sou e estou, passageira nessa confusa vida. Te convidando a me acompanhar nessa insana jornada.

E quem é você? Obumbrata et velata.

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