segunda-feira, 20 de junho de 2022

Reflexões não solicitadas - Manifesto


Parte III

Eu te manifesto no vento que sacoleja as palmeiras em meu jardim. Vento, vento querido. Eu te manifesto no fogo que transforma as ervas em enxofre e nutre o gramado que aterro os meus pés descalços. Eu te manifesto na água que absorve a luz da lua e me conecta com a minha sagrada força interna e na água que absorve a luz do sol que me ilumina a mente e me magnetiza. Eu te manifesto nas palavras enterradas em meu jardim, que florescem lentamente. Te manifesto nos quatro elementos, na celebração de um quatro de paus, nas horas repetidas, no 11:11 do meu relógio que me chama, nas estações que perpassam a minha vida repetindo o cíclico tempo que me envelhece. Eu te manifesto cravada de pedras, entoando cânticos que me alimentam a mente centrada. Eu te manifesto besuntada de mel e canela, banhada de rosas vermelhas, hibisco e jasmim. Eu te manifesto no éter, me encontrando contigo em sonhos, acessando a sua mente dispersa, remoendo alegrias e decepções. Te manifesto como um portal espelhado, iluminado por uma luz vermelha, te chamando e te convidando. Te manifesto como Hermes percorrendo livremente os mundos. Do inferno abismal que me fecha em dúvidas e escuridão ao paraíso que me ilumina a mente e torna as minhas manifestações reais. 3-6-9. GVN. Te busco no mundo do meio enquanto a minha alma sobe ao céu ou joga-se ao mar, sendo transportada para o fundo de um oceano obscuro e comprimido. Sussurro minhas mensagens ao vento que espalha-as em redemoinhos desarranjados. Você me escuta? Você me sente? Você ainda pensa em mim? Ou minhas palavras são como Eco, indo e voltando, me atingindo e tornando-as incompreensivas na jornada até a sua janela, ou do outro lado do espelho? Ou seria tudo apenas um jogo de xadrez, eu avanço, você recua? Eu perseguindo o seu rei de espadas enquanto você derruba a minha rainha de paus. Xeque-mate?

Te manifesto, mas te sinto distante, solitário, perdido, confuso. Nossas almas parecem penar entre o labirinto que caminhamos, buscando saídas, querendo partir o fio que nos conduz. Corpos solitários que se entregam a um momento de êxtase e se esvaem roubando energias alheias. Corpos que se perdem em vícios e mentiras que nos contamos para justificar nossa solitude. Corpos que parecem vibrar em outras frequências e não se sentem mareando nesse mundo por águas tranquilas. Somos tempestuosos em nossa apatia. Buscamos na individualidade alguma conexão com algo subliminal, mas o corrompemos. A distância a que nos entregamos enfraquece nossa energia vital. Sofremos e a vida parece caminhar por linhas tortuosas, e não entendemos bem porquê.

Te manifesto, pois preciso entender esse vazio existencial que me arrebata. E sinto intentar cada vez menos a sua passagem em minha vida. Sou um ser completo em mim, mas me sinto ainda presa a esse fio prateado que se tece em meu caminho até você. Conectados. E estar só já não me satisfaz, pois a minha mente retoma os meus pensamentos em manifestações de ti. Você me manifestou e agora me repele. E eu subo esse abismo sem conseguir te deixar para trás. É pesado carregar esse fio que me prende a ti, tensionando e me gravitando de volta. Minhas mãos congelam e os tendões se partem. Estou paralisada enquanto procuro escalar as rochas cinzas e afiadas. Me jogo ou sigo em frente? Não sei. Queria mesmo que você seguisse esse caminho para o topo comigo, equilibrando a subida.

Queria vislumbrar um futuro mais ensolarado, mas me contento com os girassóis que florescem no meu jardim, absorvendo essa luz que nos aquece e trazendo beleza aos meus dias melancólicos. Eu caminho pela neblina observando as ervas que vencem o concreto da urbanização e invadem as calçadas entre as suas fendas. A natureza sempre acha um jeito. Mas somos nós os antinaturais, autodestrutivos, desalinhados. Podemos arrancar a natureza que nos cerca, mas uma hora as chananas se espalham e cobrem nossas caminhadas de belezas e já não tem mais porque arrancá-las como ervas daninhas. Observemo-las enquanto o mundo colide com um futuro que nos despedaça. Um dia seremos a terra que nutre as flores e seremos julgados por termos desperdiçado chances, como dois tolos colhendo narcisos e encarando a nossa própria imagem, enamorados por nossos próprios egos e afundando-nos, como uma Ophelia rio abaixo, enlouquecidos pela solidão que nos cerca, nos distanciando de uma fagulha da essência engarrafada em nosso ser. Que possamos nos reencontrar ainda nesta vida, enquanto o ar nos enche os pulmões. Ludo mentis aciem. Não quero mais ser queda, quero estar serena em minhas escolhas, flutuando na luz solar, enamorada contemplando-te ao meu lado, seguindo para a beira do rio, para a beira do abismo, para a terra firme e segura, aterrando-me os pés enquanto colho papoulas em meu gramado.

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