Parte III
Eu te manifesto no vento que sacoleja as palmeiras em meu jardim. Vento,
vento querido. Eu te manifesto no fogo que transforma as ervas em enxofre e
nutre o gramado que aterro os meus pés descalços. Eu te manifesto na água que
absorve a luz da lua e me conecta com a minha sagrada força interna e na água
que absorve a luz do sol que me ilumina a mente e me magnetiza. Eu te manifesto
nas palavras enterradas em meu jardim, que florescem lentamente. Te manifesto
nos quatro elementos, na celebração de um quatro de paus, nas horas repetidas,
no 11:11 do meu relógio que me chama, nas estações que perpassam a minha vida
repetindo o cíclico tempo que me envelhece. Eu te manifesto cravada de pedras,
entoando cânticos que me alimentam a mente centrada. Eu te manifesto besuntada
de mel e canela, banhada de rosas vermelhas, hibisco e jasmim. Eu te manifesto
no éter, me encontrando contigo em sonhos, acessando a sua mente dispersa,
remoendo alegrias e decepções. Te manifesto como um portal espelhado, iluminado
por uma luz vermelha, te chamando e te convidando. Te manifesto como Hermes percorrendo livremente os mundos. Do inferno
abismal que me fecha em dúvidas e escuridão ao paraíso que me ilumina a mente e
torna as minhas manifestações reais. 3-6-9. GVN. Te busco no mundo do meio
enquanto a minha alma sobe ao céu ou joga-se ao mar, sendo transportada para o
fundo de um oceano obscuro e comprimido. Sussurro minhas mensagens ao vento que
espalha-as em redemoinhos desarranjados. Você me escuta? Você me sente? Você
ainda pensa em mim? Ou minhas palavras são como Eco, indo e voltando, me
atingindo e tornando-as incompreensivas na jornada até a sua janela, ou do
outro lado do espelho? Ou seria tudo apenas um jogo de xadrez, eu avanço, você
recua? Eu perseguindo o seu rei de espadas enquanto você derruba a minha rainha
de paus. Xeque-mate?
Te manifesto, mas te sinto distante, solitário, perdido, confuso. Nossas
almas parecem penar entre o labirinto que caminhamos, buscando saídas, querendo
partir o fio que nos conduz. Corpos solitários que se entregam a um momento de
êxtase e se esvaem roubando energias alheias. Corpos que se perdem em vícios e
mentiras que nos contamos para justificar nossa solitude. Corpos que
parecem vibrar em outras frequências e não se sentem mareando nesse mundo por
águas tranquilas. Somos tempestuosos em nossa apatia. Buscamos na individualidade
alguma conexão com algo subliminal, mas o corrompemos. A distância a que nos
entregamos enfraquece nossa energia vital. Sofremos e a vida parece caminhar
por linhas tortuosas, e não entendemos bem porquê.
Te manifesto, pois preciso entender esse vazio existencial que me
arrebata. E sinto intentar cada vez menos a sua passagem em minha vida. Sou um
ser completo em mim, mas me sinto ainda presa a esse fio prateado que se tece
em meu caminho até você. Conectados. E estar só já não me satisfaz, pois a
minha mente retoma os meus pensamentos em manifestações de ti. Você me
manifestou e agora me repele. E eu subo esse abismo sem conseguir te deixar
para trás. É pesado carregar esse fio que me prende a ti, tensionando e me
gravitando de volta. Minhas mãos congelam e os tendões se partem. Estou
paralisada enquanto procuro escalar as rochas cinzas e afiadas. Me jogo ou sigo
em frente? Não sei. Queria mesmo que você seguisse esse caminho para o topo
comigo, equilibrando a subida.
Queria vislumbrar um futuro mais ensolarado, mas me contento com os
girassóis que florescem no meu jardim, absorvendo essa luz que nos aquece e
trazendo beleza aos meus dias melancólicos. Eu caminho pela neblina observando
as ervas que vencem o concreto da urbanização e invadem as calçadas entre as
suas fendas. A natureza sempre acha um jeito. Mas somos nós os antinaturais,
autodestrutivos, desalinhados. Podemos arrancar a natureza que nos cerca, mas
uma hora as chananas se espalham e cobrem nossas caminhadas de belezas e já não
tem mais porque arrancá-las como ervas daninhas. Observemo-las enquanto o mundo
colide com um futuro que nos despedaça. Um dia seremos a terra que nutre as
flores e seremos julgados por termos desperdiçado chances, como dois tolos
colhendo narcisos e encarando a nossa própria imagem, enamorados por nossos
próprios egos e afundando-nos, como uma Ophelia rio abaixo, enlouquecidos pela
solidão que nos cerca, nos distanciando de uma fagulha da essência engarrafada
em nosso ser. Que possamos nos reencontrar ainda nesta vida, enquanto o ar nos
enche os pulmões. Ludo mentis aciem. Não quero mais ser queda,
quero estar serena em minhas escolhas, flutuando na luz solar, enamorada
contemplando-te ao meu lado, seguindo para a beira do rio, para a beira do
abismo, para a terra firme e segura, aterrando-me os pés enquanto colho
papoulas em meu gramado.
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