Parte
II
Há um tempo tive um vislumbre do que nosso futuro
poderia ter sido. Te vi sentado na mesa da sua sala, lendo um livro e usando
óculos, você um pouco mais velho e os seus cabelos um pouco mais grisalhos e
curtos, você estava pelado, tomando um pouco de café e comendo uma fatia de pão
amanteigado. Os aromas me tomavam o olfato do café recém feito e da manteiga
derretendo no pão ainda quente. E você imerso na leitura, percebeu que eu me
aproximava para me juntar a você, então me olhou de forma severa e sorriu.
Eu então me sentei à mesa e te encarei apaixonada,
observando você terminar um trecho do livro. Você o fechou e repousou-o sobre a
mesa. Conversávamos em meio a mordidas e goles, debatendo, gargalhando. Uma
felicidade simplista que nos parecia suficiente.
Me vi sentada em sua cama folheando um livro
enquanto você mexia no computador, ouvindo uma playlist mista
com músicas minhas e suas - agora nossas. O sol adentrava a sua janela e você
logo se juntava a mim e tomava o meu livro das minhas mãos, colocando-o em sua
escrivaninha e me beijava enquanto suas mãos passeavam em meu corpo, e fazíamos
amor.
Vi a gente se mudando para um bairro pacato por
aqui. Uma casa murada como você queria. Um espaço nosso. Guardávamos os móveis
dentro da casa, tirando juntos do caminhão de mudanças. Era uma casa amarela
com um pequeno jardim na frente com flores vermelhas, o muro era acinzentado
com sulcos pintados de vermelho terra. Me lembro de te ver carregando uma caixa
recém tirada do caminhão e olhando para mim sorrindo, empolgado com essa nova
empreitada, me beijando rapidamente no caminho até a porta de entrada.
Minhas visões suas agora são sempre desse homem
isolado, inalcançável, escondido em um abismo rochoso, rancoroso, guardando
ressentimentos envolta de orgulhos, se privando de fazer o que quer por
teimosia, ambíguo em seus sentimentos sem entender o que sente, fadado ao
esquecimento e irrelevância. Você me dizendo em sonhos que quer estar comigo,
apenas não quer estar aqui agora. E eu tentando reconquistar o meu lugar em
seus braços, incapaz de seguir em frente, ainda presa em sua frequência,
descendo nesse abismo tentando te resgatar de alguma forma.
Te vejo sempre frio e perdido em sua mente cravada
de espadas que te fazem estar pregado ao chão, sem conseguir tirar essa venda
que você colocou em seus olhos. Mas estar nesse estado é uma escolha sua e
tirar essas espadas das suas costas é uma tarefa árdua, mas aliviante, se assim
você o quiser.
Está na hora de você embainhar as espadas e ligar
a tocha para te guiar para fora do abismo. Beber do cálice a força vital que te
fará ver além dessa névoa em que você se esconde, ouvir o que os seus
sentimentos te dizem com clareza e escolher o caminho que te tirará essa
sensação de apatia e ressentimento.
Espero não te ver mais sentado empunhando uma
espada, preso em sua mente afiada, se perdendo em seus pensamentos analíticos e
se esquecendo de saciar o seu corpo de água e fogo. Eu espero que você se
permita e que o futuro que eu vislumbrei se concretize, pois o caminho que você
escolheu é ainda confuso e estranho. Seu caminho, sua escolha, mas que não sei
te dizer se te cravejará ao chão impossibilitando-o de vivenciar mudanças
significativas, ou te tornará verdadeiramente livre de alguma convenção que te
apavora, algum código de vivencia não-convencional que tem te trazido o que.
Uma hora a serpente deverá morder o seu próprio rabo percorrendo a infinidade
da predestinação. Se não nesta vida, nas outras por vir. Mas dessa forma apenas
acumulamos carmas, deixamos de cumprir promessas, nos perdemos em propósitos
vãos. Duas almas interligadas entre a bestialidade e o mítico, tendo o fio das
nossas vidas tecidas na roca, na dança astral que nos revela quem somos e
entrelaça nossos caminhos. Não há acasos, mas há escolhas. Velut luna. Decifra-me, ou te devoro!
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