Parte XII
Eu quero ficar aqui, mas aqui por ora me parece
impermanente. Tudo o que vem, passa. É como o ponteiro de um relógio anunciando
a passagem das horas. Aquele momento chega e se vai. Eu mesma estou e já não
estarei. Eu quero ficar aqui me vendo refletindo-me em suas águas miragens de
um possível futuro que não parece me pertencer. O que tiver de ser, será. Mas
conheço essas águas e sei que eu posso me afogar nelas até sufocar. E se eu não
conseguir mais emergir?
Eu incendeio em desejos e te vaporizo. Minha
passagem é intensa e modificadora. Minha permanência é calma e abranda as
águas. Vapor sobe, vapor se precipita, alimentando a natureza ao redor. Sou
repleta de camadas como os sulcos no tronco de uma árvore, contando histórias
de uma vida finita, porém plena. Sou permanente e me finco no chão,
enraizando-me na minha passagem neste tempo que tudo leva, pois tudo levo. E
aqui fico, se me permitir ficar. Dorsum nudum fero tui sceleris.
Queria poder te abraçar sem o peso da culpa de um
desejoso carinho. Aquele abraço com o corpo inteiro, alongado, sentindo o calor
que nossos corpos emanam, vibram, contagiados por um desejo visceral que nos
conecta a algo selvagem e ancestral. Eu te sinto como a terra que piso os meus
pés, aterrando-me. Uma conexão mais antiga que o meu próprio tempo. Conexões
que o tempo não leva. Conexões que poderiam ser permanentes se nosso tempo
mundano não nos confundisse as histórias. E se eu fosse a sua história?
Desperdiçaríamos o nosso tempo com outros abraços? Ou os outros abraços nos
contam que há outras histórias e aqui foi só um encontro acidental? O que posso
fazer é caminhar enquanto encaro essa bela visão de possibilidades que me
parecem errôneas querer. Será que retornarei a esse lugar? Ou serei Tétis,
destinada a outro caminho? No momento colho narcisos na beira desse lago,
encantando-me com a beleza desse local que me acolhe, mas me torna a mente
fantasiosa de uma história que não tem para onde ir.
O que colher nesta caminhada que se alonga? Estarei
de encontro a um alguém que me abranja ou estarei apenas caminhando solitária,
apreciando a paisagem repleta de coragem, amor e só com os meus pensamentos que
me perpassam? Para onde os sapatos de rubi me levam? Não posso mais desperdiçar
os meus ciclos com histórias vãs. Caminhos de uma estrada tortuosa que se
conecta com desvios que se colidem deixando rachaduras, me tornando
desconfiada. Quais certezas tenho aqui? E se há dúvidas, que respostas deveria
buscar? Ou deveria silenciar-me, respirar fundo e apenas ir-me para longe antes
de transformar esta bela paisagem numa furiosa tempestade que destrói o seu
entorno? Terei a minha cabeça cortada se insistir?
Estou exausta e sinto que os anos me perpassam e me
torno envelhecida nesta estrada que se estende. Eu queria poder mergulhar
nessas águas e fincar o meu lar aqui, e isso me torna tão desejosa de encher
essa grande taça e banhar-me alegremente enquanto entoo as minhas doces notas
ao ar. E o que isso me torna quando sei que deveria ir, mas quero ficar? Já não
posso apostar em uma história que não é mais minha.
Ainda assim espero que você transborde e que as
suas águas venham até o meu encontro, abarcando-me em sua tranquilidade,
levando-me para o outro lado do lago, atravessando mais rapidamente esse
caminho para onde preciso ir. Sem culpa, sem medo, sem desilusões. Que seja
real o que desejo. Mas talvez eu apenas precise virar as costas e partir ao
encontro de outro lugar. Você ainda pode me encontrar aqui, se assim o quiser.
Mas logo me vou e talvez eu vire apenas uma miragem longínqua no horizonte que
se apresenta no meu caminho.
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