Parte XV
As suas águas me inundaram. De novo. E de novo. E
de novo. Enquanto eu tentava caminhar para além do horizonte que se apresentava
para mim. O seu calor me cercou aconchegante e me permiti mergulhar em suas
águas profundas, para me afogar em ti. Agora alcanço a superfície, pesando em
meus pulmões essa água suja e chumbosa. E então sou julgada por essa bússola me
apontando os erros, pesando o meu coração em sua balança. Mas para onde a
bússola aponta senão para o seu portador, enquanto se cobre de véus e enxerga a
verdade distorcida de um falso absolutismo baseado em julgamentos superficiais
da realidade que se cerca? Nada está em preto e branco e o tempo vem para nos
arrancar convicções e nos tornar maleáveis dentro das nossas vivências
traumáticas e desregradas.
E como estão essas águas agora? Talvez levemente
agitadas enquanto o meu céu se cobre de nuvens negras. Vana salus
semper dissolubilis. Me sinto caminhando em lama, aguardando ser devorada
pelos lobos por me tornar uma presa fácil. Até onde a nossa história está
submergida em suas águas, obscurecida por sua conveniência? O que veio à tona e
o que continua em suas profundezas incapaz de ver a luz do dia? As suas águas
vieram de encontro ao meu espaço, dividir a minha cama, aconchegar-se em meus
braços, aproveitando-se da minha vulnerabilidade solitária, me cobrindo de
elogios e carinhos, me tornando desejosa e febril. Agora já não sirvo mais ao
seu bel prazer, então decido partir pois não sou mais bem vinda. E eu preciso
caminhar entre a lama e procurar um outro lar que me acolha enquanto deixo para
trás essa história repleta de desejos velados para encarar a tempestade que me
cerca. Deveria abrir a caixa de Pandora? E se eu a abrisse, você seria o
pendurado em um mundo em que os homens são lobos organizados em matilhas e as
mulheres as castras detentoras de toda a sabedoria intuitiva e vilanizadas em seus
desejos carais? Ou você seria apenas coroado por uma rainha de copas enquanto a
minha cabeça é cortada, alimentada aos lobos?
Eu me encontrei novamente nessa encruzilhada e
tentei fazer as minhas escolhas infrutíferas. Eu escolhi por várias vezes o sim.
Mas você me bloqueou repleto de nãos. Eu escolhi o sim quando me aproximei de
você e me senti cativada. Você veio com o não quando as minhas palavras te
pesaram em cobranças. Eu escolhi o sim quando tentei te mostrar o fardo dos
meus pensamentos frenéticos. Você veio com o não quando ignorou os meus suplícios
de compreensão por acha-los exasperados. Eu escolhi o sim quando insisti em
querer te ver. Você veio com o sim quando deixou nas entrelinhas que queria reviver
o que tivemos em uma possível despedida. E escolheu o não quando me pediu para ficar
no meu espaço, desinteressado. E só então entendi que já não havia mais lugar
para mim no seu recintuoso abismo. E fui inundada por essa taciturna dor que me
atormenta em noturnos desejos desesperançosos. Mas você apenas transpareceu o
que te servia? Seria apenas eu jogada aos lobos nessa história, ou você revelou
a sua verdadeira face quando precisou encarar as consequências de suas
investidas ao recrear-se nos sentimentos alheios?
Você roubou o meu fôlego e agora me vejo pálida em
face ao caminho que anunciou-se e tento deixar para trás a nossa história.
Preciso atravessar essas pedras escorregadias sem saber se retorno para a minha
estrada e sigo em frente deixando essa paisagem agora sombria e nebulosa
cuidadosamente, ou escorrego e me quebro imobilizada neste espaço solitário,
precisando me dar um tempo de cura.
Não há nada de belo em nossa história quando a sua
insistência só se estende ao seu deleite e já não te serve mais quando há
obstáculos nestas águas. Não há nada de admirável nessa sua face retraída. Eu
preciso limpar a lama dos meus pés e deixar mais uma história desfalecer,
seguindo em frente curvada, carregando esse peso em minhas costas até poder
caminhar de cabeça erguida novamente e admirar o meu redor. Mas e quanto a você
que fica aí? Tudo se encaixa como se nada fosse, pois estar no lugar do
Imperador é sentar-se acomodado em seu trono e reinar sendo servido em um mundo
que molda-se a ti.
Eu vou atravessar esse espaço eventualmente e
retornarei às belas flores que me cercam para encarar mais um dia da minha
história finita, pois enquanto não sou ceifada, preciso semear outras
histórias e deixar os narcisos apodrecerem a beira desse lago, pois Narciso
acha feio o que não é espelho. E eu preciso continuar em busca do meu horizonte
de esmeraldas para retornar ao meu lar.
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