O
ônibus quebrou no meio do caminho. Era 22h20. O ônibus estava lotado. Várias
pessoas saindo do expediente na mesma hora. Era uma noite quente, estava
abafado. Maria pegava sempre aquele mesmo ônibus, exceto raras vezes que saiu mais
tarde da loja de calçados do shopping central. O motorista era o seu Joaquim, o
cobrador era Lucas. Eram muito gente fina, já pararam fora do ponto que ela
desce normalmente várias vezes, por ser mais perto da casa dela.
'E
aí, seu Joaquim, o que aconteceu?' alguém gritou do fundo do ônibus. 'ô galera,
negócio é o seguinte, lata velha… o motor super aqueceu. Ô Lucas, vê se
consegue alguma água aí nas redondezas, que a da garrafa acabou já… já avisei
para esse povo que tá vazando água e não fazem nada…'.
O
cobrador desceu do ônibus e foi procurar algum lugar onde poderia conseguir
água. Eis o problema, aquele lugar era meio deserto. Seria difícil encontrar água,
mas não impossível. Iria demorar, mas Maria estava 20 minutos longe de casa de
ônibus, imagina andando. E ela estava cansada estava escuro, ali era perigoso.
Melhor esperar. Algumas pessoas desceram do ônibus, liberando acentos para os
que estavam em pé poderem descansar enquanto esperam. O próximo ônibus
demoraria ainda meia-hora, se passasse. E para algumas pessoas, a caminhada não
seria tão longa. Capaz até de algum dos que desceram e morar nas aproximações e
ajudar o Lucas. Tinha tudo para dar certo, apesar da demora. Mas não iria dar.
Após
uns 10 minutos, uma mulher subiu correndo no ônibus gritando: 'Fecha, fecha,
fecha, fecha! Fecha a porra da porta!'. Joaquim não entendeu nada, mas fechou a
porta. Não demorou muito para as pessoas perceberem que a mulher estava ferida,
os braços estavam com manchas roxas, a cara muito machucada e a roupa rasgada.
Estaria fugindo de algum homem que a tinha machucado? Foi assaltada? Não
demorou muito e começou a dizer: 'Eles estão vindo! Meu Deus, eles estão a
caminho!'. 'O que é, moça… fala logo! É alguma gangue? É a polícia? Que
desgraça que tá acontecendo?'. Outro passageiro falou: 'Ô filho da puta da
desgraça, tá vendo que a mulher tá machucada e traumatizada não, seu escroto do
caralho. Ô moça, senta aqui. Respira fundo. Quer um pouco de água? Ô galera,
alguém tem água aí?'. Maria tinha meia garrafa que tinha enchido no trabalho e
que não conseguiu terminar na correria. 'eu tenho aqui!' ela disse. 'Toma moça,
beba um pouco água, respira. Senta aqui nesse lugar que o moço cedeu. Pronto.
Alguém liga para a polícia?'. 'ô véi, peraí… a gente nem sabe o que aconteceu
ainda, já quer ligar pros omi…' O passageiro que havia falado primeiro comentou.
A mulher então disse: 'Não, não é a polícia. Mas eles não virão, nessa área
eles não vem não. Não… quem vem aí são os mortos.' 'vixe, tá doida!', o homem
falou. Outro passageiro falou. 'eu vou é me picar daqui que só me falta mais
essa.' 'ô moço, não vá não.' ela disse 'Escuta o que eu te disse… tava rolando
uma festa adentrando mais o mato, eu tava lá comendo a minha água e dançando…
daí apareceu um cara todo estranho, com a cara inchada e cheia de veias pretas
no rosto e nos braços tudo, todo perebento. O cara começou a se aproximar e a
galera lá pegou e atiraou no cara todo… mas nada parava o homem não. Ele foi
para cima de uma menina e mordeu o pescoço dela. Te juro. E ela começou a se
tremer toda e espumar e caiu no chão. Horrível! Daí um cabra lá atirou na
cabeça do homem todo estropiado e ele caiu e não se mexeu mais. Mas do nada a
menina se levanta toda perebenta também, com a cara com as veias tudo preta, e
ataca outra pessoa, que se levanta também uns segundos depois e os dois
começaram a atacar a galera… foi uma carnificina! A galera começou a encher os
dois de porrada, gente ligando para a polícia, o povo caia e se levantava com a
cara bizarra! Eu saí azoada de lá, esqueci minha bolsa, meu celular… ô véi, a
galera começou a andar tudo estranho… eu apanhei e as porra no processo,
ninguém sabia quem tinha sido mordido ou não.' 'eita, desgraça. Tá parecendo
negócio de filme de morto vivo essa porra' o mesmo homem falou. 'oxe, eu vou
partir a mil que quem fica é o coelho nessa porra!', comentou o homem que já
tinha falado em sair. Maria olhou para ela e perguntou para ela, enquanto o
cara descia do ônibus: 'Você tem certeza disso? Será que não era briga de
gangue? Ou algum drogado?'. A mulher então disse 'ô moça, nera não… tô te
falando, a galera morreu lá mesmo e depois se levantou. Eles tavam muito
machucados, tinha até gente com as tripa pendurada. Deus que me livre, mas eu
juro.'
Uma
das senhoras que estava no ônibus se ajoelhou e começou a gritar: 'é a fúria
divina! Deus está nos castigando por não seguirmos a palavra dela! Ô Deus,
tenha piedade! É o juízo final! Satanás voltou e está comandando o exército
dele! Se arrependam antes que seja tarde…' 'Ô miséra!' o rapaz a interrompeu 'Nada
contra Deus e as porra, mas se esse bando de lá ele tiver vindo aqui, a gente
tem que revidar. Os cara tavam tudo armado lá. Como é que faz?'. Um dos
passageiros, um homem com cara de brabo, mas muito magro, tirou uma arma e
disse: 'A gente atira é pra matar essas porra! O cara morreu como? Com um Tiro
na cabeça. Que nem nos filmes. É na cabeça que a gente mira.' ' E é com uma
arma só? É bala eterna essa porra era aí?' o outro passageiro falou 'E tu
tava querendo o que com essa arma aqui no busão? Roubar a gente?'. 'Não véi, é
proteção, tá ligado?' o cara da arma respondeu. 'A parada tá cheia de bala.
Certeza que não sou o único. Mais alguém aí com alguma arma, galera?'. Seu
Joaquim foi o primeiro a falar: 'Tenho aqui uma que carrego comigo pra quando
os Zé Mané vem assaltar. Tô ligado no senhor, viu? Fizer qualquer movimento
errado aí, atiro é na sua cabeça. Aqui tem treinamento, painho.'. 'Ô véi, fica
de boa aí que já disse que é pra proteção.', o homem falou.
Maria
percebeu que muita gente estava assustada, uma mãe e uma filha choravam
abraçadas. A menina aparentava ter não mais do que 10 anos. Mas alguns
passageiros começaram a mostrar as armas: canivetes, revólver, taser, agulha de
tricô e um homem tirou até um facão de dentro de um isopor. 'é pra.
cortar
coco. Tá afiado que só. Corta uma cabeça com dois movimentos.' O cara do facão
disse.
Então
estavam todos na expectativa. A crente começou a rezar, o cara do revólver, junto
com o restante das pessoas que também tinham revólver (cerca de mais três)
ficaram nas janelas. Ele organizou as pessoas com as armas brancas na porta da
frente, caso algum desses monstros tentasse entrar. O cara do facão ficou na
outra porta. Maria e o resto ficaram abaixados, esperando. Seu Joaquim estava
posicionado na janela do motorista. Nada de aparecer alguém. 'Ô
véi, tô falando que a mulher tá doida. Tem nada não nessa porra…'. O homem que
sempre falava algo disse. 'Espera!' disse o seu Joaquim ' estou vendo alguém.
Tá vindo pela frente do ônibus. Ah… é só o Lucas. Vou abrir aqui a
porta…'.
A
pessoa que entrou no ônibus era Lucas, o cobrador. Mas ele já não parecia mais
o mesmo. O seu olho esquerdo estava pendurado, como se alguém tivesse tentado
puxar, a sua perna direita estava quebrada, tinham mordidas por todo o seu
braço e manchas roxas em todo o seu rosto, uma de suas mãos havia se soltado do
braço, mas continuava semi-pendurada. Na outra, ironicamente, ele carregava a
garrafa com água. Por todo o seu corpo podia-se perceber veias negras e apele
dele estava com uma coloração muito pálida. O olho que ainda estava no lugar,
agora tinha uma coloração branca. Ao perceber que o colega de trabalho com quem
seu Joaquim havia trabalhado por tantos anos tinha virado aquela criatura
macabra, ele apontou para a sua cabeça e atirou. Fechou a porta imediatamente.
Então gritou: 'que desgraça era essa? Porra, Lucas! Você não merecia isso não,
véi? Porra!'. Então começou a chorar.
'Eita,
que é isso, meu irmão? O que foi essa porra que entrou aí? Ô vei, liga para a
polícia aí! Passou da hora já. Esses viado têm de vir, não é possível isso
não!'. O passageiro falante falou, deseperado. Nesse momento várias pessoas
começaram a ligar, mas a linha só dava ocupada.
A
mulher então começou a gritar, com a voz trêmula: 'ô véi, tô falando que a
polícia num vem pra essa área não, porra! Tu acha que a gente não tentou ligar
lá na hora não? Os cara riram da nossa cara e desligavam o telefone. Não
adianta não. Porra, pivete… tô com medo de morrer, véi. Eles deve tá chegano,
porra! Cala a boca aí e fica de olho na rua, mizerênto do inferno. E cala a
boca pra não chamar mais atenção!'. ‘Tu acha que tu falando com o que, sinhá
desgraça! Cala a boca você sua puta! Tô ligado no que vocês fazem nessas mata!
Você que trouxe essa porra pra cá! Fica quieta senão eu te encho de porrada e
te coloco para fora desse busão!’.
‘Cala
a boca, porra!’ Seu Joaquim gritou. ‘Ninguém vai expulsar ninguém daqui não e
se você encostar a mão nessa mulher, tu vai receber um tiro no meio dessa fuça
que não para de falar, homem tagarela da desgraça! Olha só, o Lucas, que Deus o
tenha, trouxe a água. Vou ter que descer e abastecer o radiador. Quero saber se
alguém com arma se voluntaria para ir comigo, senão vamos ficar parados aqui
esperando o pior.’. ‘Eu vou!’ disse o cara brabo com a arma. ‘Tô doido pra
encher o cu de um desses de bala!’. Então vamos, fica de olho e qualquer
movimento estranho, você já atira’, disse o seu Joaquim. ‘Oxe, nem precisa
falar nada não.’ O homem respondeu. ‘Ô tagarela.’ Joaquim chamou. ‘Venha aqui
pra frente, fica aqui no volante. Deixa eu te falar, essa vávula aqui, tu vai
usar ela parar abrir e fechar o ônibus, caso algo dê errado. Você entendeu?’
‘Entendi sim senhor. E meu nome é Daniel, tá ligado?’ O homem disse. ‘Tô
ligado, tagarela. Senta logo aqui pra não atrasar o nosso lado.’
Os
dois homens desceram do ônibus. Daniel ficou no volante e de vez em quando falava
algo, sabendo que os homens do lado de fora não ouviriam nada. ‘Tagarela é a
senhora sua mãe, seu filho da puta!’. ‘Fica querendo me dizer o que fazer. Vai
ver só, quando encher essa porra, vou é me picar daqui com esse ônibus. Passo
em cima e as porra!’. De repente, ouviu-se tiros. Vários. Depois gritos. O
homem do revólver começou a bater na porta e gritava: ‘Abra essa desgraça aí!
Tá cheio de morto-vivo aqui! Abra logo essa porra!’. Daniel ficou paralisado
por alguns segundos e em seguida abriu a porta. O homem começou a subir com
duas armas na mão, a dele e ado seu Joaquim, mas foi derrubado por um homem que
estava do lado de fora. Daniel percebeu que era o motorista, agora com uma
aparência bisonha. ‘Pega a arma aí, porra! Atira!’ O homem gritava. Daniel
pegou a arma e atirou, acertando o motorista na barriga, que continuou como se
não tivesse levado nenhum tiro. Ele respirou fundo e mirou na cabeça do
motorista. Já era tarde, o homem brabo foi mordido na perna.
Ele
entrou rapidamente no ônibus e Daniel fechou a porta. Os mortos haviam cercado
o ônibus e as pessoas começaram a se agitar e a gritar. Quem estava com
revólver começou a atirar. Maria gritou: ‘Peraí, povo. Não fica atirando assim
não. Guenta aí que a gente tá com uma situação.’. O homem brabo começou a
murmurar: ‘O filho da puta me mordeu! Tô quase sem bala! O filho da puta encheu
a parada com água.’ E então, começou a convulsionar e apagou. A crente se
ajoelhou e disse: ‘Ô pai, tenha piedade de nós! Eu sou a sua serva! Me cubra
com o seu manto sagrado, me proteja desses demônios!’.
Não
demorou muito e o homem se levantou e foi para cima da mulher que segurava a
sua filha, que gritou desesperada. Ele mordeu a bochecha da mulher. Alguém
conseguiu atirar na cabeça do homem e ele caiu em cima da mulher, cobrindo a
criança, que começou a gritar: ‘Mainha! Mainha!’. Maria se aproximou da cena,
tentando tirar o homem de cima da mulher e da criança, com a ajuda de outros
passageiros. Eles então tentaram puxar a criança, mas ela se recusava a largar
a mãe. Não levou muito tempo e a mulher abriu os olhos, a cara estava toda
tomada por veias e a ferida começou a expelir um líquido rosado e fétido. Ela
olhou para a criança, que a abraçava, e a mordeu no ombro. A menina soltou um
grito aterrorizante e começou a chorar mais alto, percebia-se pelo choro o
quanto a mordida havia doído.
O
homem com o facão conseguiu se aproximar da mulher, a agarrou pelos cabelos e
com dois movimentos, arrancou-lhe a cabeça. A criança desmaiou. Daniel gritou
do assento do motorista: ‘Que porra foi essa áí?’ E tentou ligar o ônibus, mas
em seguida, ouviu-se outro grito. O ônibus não parecia querer ligar. Quando
Daniel se virou, viu que a garotinha havia se levantado e foi em direção a
mulher que havia entrado no ônibus. Ela agarrou a mulher pelo lábio inferior e
o arrancou em uma mordida. A garota estava com uma aparência mórbida. O ombro
onde havia sido mordida estava inchado e o mesmo liquido rosado que saiu da
bochecha da mãe, saía dela. O corpo estava todo tomado por veias negras e o seu
rosto estava tomado por sangue. A menina olhou para o homem que estava com a
arma apontada para ele e ainda mastigando o lábio da moça, pulou nele e mordeu
o antebraço. O cara conseguiu atirar nela.
Enquanto
toda essa ação acontecia, a mulher que teve o seu lábio arrancado, se levantou
e mordeu a cabeça da crente, que estava ainda ajoelhada no chão, rezando. Ela
abriu um enorme buraco na cabeça da mulher e imediatamente apagou. Em seguida,
o homem que segurava a arma começou a convulsionar. Maria pensou rápido e pegou
a arma da mão dele. Ela gritou rapidamente. ‘Se preparem, é pra atacar a cabeça
deles!’, e atirou na mulher sem o lábio. Mas o que seguiu foi uma carnificina.
As pessoas que estavam armadas com canivetes e taser até tentaram atacar, mas
foram atacadas logo, algumas pessoas começaram a se arrastar pelo chão, mas
rapidamente eram atacadas. O homem do facão conseguiu arrancar umas três
cabeças e sempre que arrancava uma, gritava ‘Toma, filadaputa!’. Maria e mais duas
pessoas que estavam com arma conseguiram atirar na maioria dos passageiros que
se levantavam. A munição dela acabou logo, mas Daniel decidiu se juntar a briga
e usando a arma do motorista, atirou em alguns dos mortos-vivos. Sobraram três:
Ela, Daniel e o homem do facão. Mas ao olhar para a mão dele, Maria percebeu
que o homem tinha sido mordido. Ele largou o facão. Maria, que já não tinha
mais balas, olhou para Daniel. Ele apontou a arma para o homem, que ao perceber
o que estava prestes a acontecer, falou: ‘Não atira não. Eu tô vivo ainda!’. O
revólver estava sem balas. Maria se lembrou que o homem brabo disse que estava
quase sem balas. Quase. Ela rapidamente pegou a arma que estava ao lado do seu
corpo e atirou no homem. Ela sabia que se não fizesse isso logo, ele iria se
transformar em uma daquelas criaturas e poderia ataca-la. O homem morreu com um
tiro na cabeça.
‘E
agora, Daniel?’. Ela perguntou? ‘E agora a gente se pica daqui. Vou tentar
ligar o ônibus de novo, porque os bichos lá de fora estão quase arrombando as
portas!’. Ele então tentou ligar o ônibus que após algumas tentativas, pegou.
‘Você sabe dirigir isso?’. Maria perguntou. ‘Saber eu não sei não.’ Ele disse.
‘Mas se não for nas coxa, aqui a gente já pode fazer o túmulo.’. Ele começou a
dirigir, perdendo mais o controle do que andando, mas se afastou rapidamente do
lugar e seguiu adiante. Já era mais de 01 da manhã e não tinha passado o outro
ônibus.
Priscila de Athaides
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