sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Pretéritos

O tempo nos carrega ao léu

Em fractais que se dissipam com cadência

O passado é um borrão mental

Fantasiado de confusa presença

 

O ar espalha em nossos pulmões veneno

Carregado em nosso sangue contaminado

Que nos estraga a mente em laços

De um pretérito que se torna plácido

 

E se a mão alcança o céu azul-índigo

Em nossas veias escorrem-se eras

Hoje os sonhos que correm em nossos olhos

São migalhas que nos direcionam em esmeras

 

Enraizamo-nos em momentos perdidos

Tentando nutrir nossos fundamentos

E das nossas raízes sugamos memórias

Que nos aterram em frágeis lamentos

 

Priscila de Athaides – 03/11/2023


terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Reflexões não solicitadas - Bagagens

 


Parte XIX

Qual o preço que pagamos ao tempo para que a simples memória de alguém nos cause um sentimento de apatia? Quando a simples lembrança já não mais nos abala, mas torna-se enfadonha em nossas memórias, nos distanciando de algum reconhecimento daquilo que já fomos. Seria esse preço uma perda de algum pedaço de nós? Seria talvez tornarmo-nos frios e fechados?  Quantas vezes não compartimentamos nossas vivências e nos enchemos de tédio, aguardando o que vem além do horizonte, tentando dar lugar a novas histórias e deixando pessoas, lugares, momentos e situações para trás? A vida segue o seu rumo em seu ritmo descompensado e tiramos tudo do lugar enquanto a estrada segue cheia de percalços. E quanto tempo leva até que uma história já não nos mova mais? E o que deixamos de nós pelo caminho? Dissolvit ut glaciem.

Cansei de carregar o mundo nas costas, como um Atlas castigado. Não faz sentido essa culpa a que me compele. Não estou só nessa história, não sou a portadora de todos os erros, se é que eles não foram apenas a criação de egos feridos. Houveram escolhas que nos trouxeram a este ponto que são muito mais antigas que a nossa história e que se refletiram em nossos traumas mal resolvidos. Estamos feridos e pesamos em nossos atos essa bagagem que nos atormenta. Que chance teríamos quando a falta de resoluções de problemas passados nos guia nesta breve relação que nos permitimos ter? Estamos assombrados diante da face de experiências destrutivas. Não há espaço para nós, pois esse já foi tomado pelo amargor de outras vivências. Não há leveza quando não nos apoiamos para nos ajudar a combater as crises que ainda nos chacoalham.

O que quer que queiramos construir precisamos de estrutura, 4 estacas fincadas no chão formando pilares para que pequenos abalos não os façam desabar. 11:11. Não há amor quando contratempos nos afastam e recusamos a enxergar o que nos é ofertado. Amor às vezes nos leva ao topo da montanha, às vezes ao mais profundo abismo, como um arco-íris formando uma ponte entre nossas ciladas emocionais eufóricas ou deprimentes, mas buscamos nos manter em terra firme, tentando chegar a um lugar comum, sem escombros que nos bloqueiam. Não há amor quando tudo desaba e nos refugiamos em um local murado, impedindo que o outro nos alcance, proibindo que lugares sejam visitados. Amor flui como um rio que fertiliza toda sua margem. Há vida ali, como as írises que floreiam a sua beirada fluvial, anunciando o fim de um temporal. Há vida que cresce nesse espaço quando construímos estruturas para iniciarmos o nosso lar, tijolo por tijolo. Mas agora eu observo as flores apodrecerem nesta terra infértil a que me encontro.

E neste seu local árido não há amor. Então porque ainda há apego? Eu já entendi o que as suas secas palavras me dizem nas entrelinhas. Indiferença é o oposto de amor, você me disse certa vez. E não há nenhum cuidado na forma a que me dirige, nenhum interesse em saber sobre mim. Eu preciso assimilar essa insensibilidade que advém de ti. E isso me quebra, pois sinto a sua falta. Mas me falta você até não me faltar mais e eu já possa administrar a minha vida sem que a sua lembrança me tire de algum espaço mental e me sugue para um futuro fantasioso de resoluções inexistentes. Me sinto exausta procurando sentido para essa longa espera em busca de conclusão, esse repouso que me desconecta da realidade concreta. Não há amor, pois no amor há busca de soluções e bem-querer. O que solucionamos ao nos afastar? Sinto que me afundei nessa areia movediça e só me resta estratégias de resgate. Você não é a minha salvação. E como haveria de ser? Preciso te tirar desse pedestal em que te coloquei. Você não é o imperador do meu mundo. Você não me comanda. E quem é você? O reflexo daquilo que projetei, nada mais. E eu quero te repelir para longe dos meus sentimentos, cortar de vez esses laços mentais que se emaranham, desatando nó por nó, até que a sua agridoce lembrança seja apenas insossa.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Reflexões não solicitadas - Despedidas



Parte XX

Deixe-me ir, querido, com as doces memórias dos momentos que tivemos. Será que você se perdeu em profunda tristeza, ou você era o espelho que me refletia mostrando a beleza de mim? Hoje vejo ecos do homem que você era. Não há doçura nas suas palavras ressentidas. Mihi nunc contraria. Como continuar admirando nossos momentos ternos quando você se amarga na mais breve menção do que fomos e se recusa a construir novas memórias?

Deixe-me ir em silêncio. Já conheço o caminho percorrido depois de você. Estendi a ti as minhas mãos para essa longa caminhada e fui novamente rejeitada. Mas já consigo seguir em paz ciente de que há vida após você. Eu não sou a tua salvadora. E como haveria de ser? Sou talvez parte da sua ruína, o gosto agridoce de uma bela história que parecia boa demais se não fôssemos tão complexos em nossas individualidades, perdidos em traumas que nos perpassam, nos impedindo de viver histórias sem o amargor daquilo que nos tornou tão temerosos em compartilhar uma vida a dois, na pureza que uma nova história deveria ser. Mas nos isolamos tolamente em nossas prisões mentais, deixando que o peso de escolhas erradas nos direcionasse para um fim inconclusivo, sem redenção ao final.  Você já tem respostas para as suas desventuras, e não faço parte delas. Não mais. Sou apenas um subterfúgio de desejos tortos que te assolam em noites solitárias e te afundam em distorções dos meus mais profundos segredos sujos. Eu não sou a tua salvadora, mas um desvio que te serviu com o propósito de te tirar brevemente de uma vida sem brilho que te assombrava lentamente. E agora você se afunda nessa escuridão enquanto eu procuro ser a luz que me guia para longe deste seu espaço abismal.

E eu não preciso de um salvador, a minha caminhada solitária me permite enxergar as cores do mundo com cuidado,  toda a luz e sombra que se refrata em penumbra entre esse momento que saio desse abismo que se colocou entre nós. Além do arco-íris posso ver que há outro final feliz para mim. E eu mesma me conduzo a essa história, pois sou a protagonista da minha vida e você sempre foi um capítulo nesta saga contínua que me reverbera para além deste lugar em que você nos limitou.

Eu queria que fosse você. Por todo esse tempo eu sonhei que era você. Como uma taça transbordando sendo ofertada. Você foi esse amor cheio de potencial. O que teria sido? Eu não sei. Hoje vejo apenas a sombra de um homem que se perde em meio a tanta descrença e falsa modéstia, que parece desistir do mundo com um amargor expelido por não estar neste lugar-comum como esperado e cobrado que você estivesse. Mas nada se espera de você, entenda. As suas não conquistas dizem respeito apenas a você e são consequências de suas escolhas e apenas delas. E quem é você? Que diferença faz para o mundo a sua trajetória? Você se afunda em remorso disfarçado de um orgulho tolo por tudo aquilo que você não é e nem fez questão de ser. Não seja. Você é só poeira cósmica em uma ínfima presença neste tempo-espaço que perpassa. Assim como eu. Que a gente procure não mais criar complicações que nada nos adicione. Que a gente nos permita mais, deixe o tempo nos guiar para novas histórias, abertos a toda a complexidade que carregamos com acolhimento, não mais repulsão. Se não é para ser, que nada nos prenda a uma malfadada história. Sigamos, leves do peso de que poderíamos ter feito mais ou nos entregado menos. Já passamos e tivemos bons momentos que posso guardar neste mar de memórias que me invade como ondas. Eu sei das minhas tentativas e erros. Eu sei que insisti e fui sempre aberta a novos retornos enquanto você me respondia com rejeição. Que seja. Isso passa. Tudo passa. A gente passa. E eu passo adiante, procurando não mais olhar para trás para um breve patético momento de acolhimento oferecido. 

Que seja, que não seja. O que haverá de ser. Que é. O que não é. Não somos. Eu entendo, e te liberto para seguir adiante pelos seus caminhos por ora solitários. Talvez as moiras nos teçam novas histórias ou nos conduzam a velhos caminhos e novos personagens adentrando em nossas trajetórias. Tudo é cíclico e há uma certa previsibilidade nas linhas que nos costuram as vidas. Não há pontos finais na roda da fortuna. Talvez haja mais amorosidade em um futuro próximo. Aqui sempre haverá um lugar de perdão e acolhimento. Aqui há amor.

Mas deixe-me ir agora seguindo pelo caminho que se estende daqui. Há loucura nas minhas escolhas, eu sei. Uma busca por uma conexão com algo maior do que essa monótona vida. Vejo sinais em todos os cantos, misticismos em todos os sonhos e pensamentos. Eu converso com o universo que me rodeia, me conecto com as energias que me protegem, eu manifesto. Há loucura nessa crença procurando ver além do que o lógico me limita. Mas há neste processo um escapismo da minha prisão mental que por tanto tempo me tornou melancólica. A melancolia já não me assombra mais, ainda que momentaneamente. Há loucura nesse procedimento, mas há esse sentimento de conexão com algo maior do que a minha mente agitada e perdida em constantes cenários de devastação e pessimismo. Este tem sido o meu local de salvação que me ilumina e atiça a minha sede de conhecimento. O que encontrarei atrás das cortinas desse véu que me venda os olhos ainda está enevoado de incógnita. Talvez não devesse mesmo me importar tanto com o velho por detrás da cortina, pois a inteligência, a coragem e o amor sempre estiveram presentes em minha trajetória. Eu sou a minha salvadora.

Eu te deixo ir. Te prometo. Já não te buscarei. Siga em paz. Fique bem. Seja feliz. Eu não tenho mais pretensões de te manter preso ao que fomos e não fomos. Não fomos. É uma pena. Mas te liberto desse nó que nos prende em algum emaranhado de possibilidades que nunca se concretizaram. Há outras histórias a serem contadas. Confia. Ainda não é o nosso último suspiro.  E talvez a roda da fortuna nos conduza de volta com uma nova vivência e visão de mundo para nos enchermos de risos e felicidade compartilhada.


Reflexões não solicitadas - Lar

 

Parte XVIII

Eu recebi as palavras mais duras vindas da sua brilhante mente. Minha vida seguiu o seu rumo para uma apática tentativa de estar feliz sem você. Seguia em frente sem o brilho que a sua presença me trouxe. Procurei te substituir de várias formas. Nada me alegrou tanto como as doces horas ao seu lado. Queria entender o propósito sagrado da sua chegada, e a devastação de não te ter mais na minha vida. A vida segue, mesmo que pálida e menor, ela segue. 

Eu desejei todos os dias que você voltasse, trazendo sentido para os meus dias tépidos. Te manifestei. Sussurrei ao vento, vento querido. Pois você foi o brilho que me levava a um estado de êxtase jamais alcançado antes. Suas lembranças me assombram, já que não há quem as substituam. Você é ímpar em minha vida e isso é uma convicção que tenho.

E eu estou feliz onde estou. Sou suficiente dentro da minha solitude. A vida continua em movimento e eu aceitei de bom grado o que me foi ofertado. Eu tive momentos agradáveis enquanto o tempo nos distanciava para uma memória esvaindo-se aos poucos. Eu tentei estar bem após a sua passagem em minha vida, porém você sempre estava lá, como uma promessa quebrada me assombrando em devaneios mentais sobre o quanto você me fez feliz. Você foi felicidade fluindo em meu corpo inteiro, me alimentando a mente com sussurros dos nossos segredos mais profundos. Construímos um mundo particular e percebi que aquele lugar era o breve lar que me abrigou em perfeito encaixe. Mas fui expelida para uma terra desolada. Me sinto perdida em busca de um território que me acolha como os seus braços. Nada me comporta como você. Me sinto despatriada.

Eu recebi as palavras mais duras da sua brilhante mente. E me senti explodindo, como supernovas. Você ainda me tem em sua mente, relembrando esse lar que você achou em mim. E a minha ausência te foi tão ou mais danosa do que a sua em minha vida, ainda que você não admita por completo. Como viver uma vida funcional após se afastar de um momento de real amor? Como estar bem quando você se debate com um deslumbre de felicidade e decide se esconder em um local assombroso e sem vida? Você virou uma sombra de quem um dia já foi, pois soltou as mãos da alegria ofertada e perdeu todo o potencial de um propósito maior na sua vida além do que você se encontra agora, cheio de monotonia acinzentada. Você não se permitiu viver essa história, e talvez os motivos para partir sejam lógicos na sua racionalidade. Mas valeu a pena, visto o local em que você está agora? Você se enfiou neste abismo e decidiu ficar ali, ao invés de escalar esses pedregulhos em busca do espaço florido com papoulas no topo, deslumbrando esse caminho de tijolos amarelos, ainda que cheio de desvios e armadilhas. O caminho para a cidade de Esmeraldas abrange algum vislumbre de um destino que não se resume a talvez achar algo ou alguém que dê sentido a sua vida, mas esse caminho vai além e precisa ser trilhado. Esse caminho traz uma percepção de você. Não há felicidade se você se abandona e estagna com medo de possíveis feridas ou uma vida tediosa. Algumas vezes vamos quebrar alguns ossos, mas o tempo cura essas chagas. A vida precisa desse movimento para não nos perdermos em vazios existenciais. Há outros caminhos além desse que você se enfiou. E eu sei e você sabe, não existem pessoas como nós para nós e que nos entregue tudo aquilo que temos para nos ofertar. Juntos fazemos sentido e você sente falta disso. Então me faça entender essa separação a que você me compele.

Mas aí está você, encarando o topo deste abismo, observando o belo céu azul escuro iluminado por estrelas, te convidando a sair deste lugar. Sors salutis et virtutis. Esse breve momento em que você voltou foi tomado pela esperança de estar novamente em seus braços, ainda que por um instante.

E aqui estou eu, estendendo as mãos para caminhar contigo. Eu te quero bem, eu te quero feliz. Já não nos basta mais essa vida eremita que nos enfiamos. Você sentiu essa fagulha e sabe que já é hora de sair das sombras. Embarque, abarque, se permita ser feliz de novo, como fomos, como podemos ser. Como é para ser, mesmo que não seja.


quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Fervor Aflorado

 Eu bebo em seus dedos uma mensagem vazia

Que me desperta com sabor amargo

É a vida que me bate a mente alertando o dia

Que estarás passando por mim em letargo


Eu te afago em teus cabelos cor de mel

O toque sedoso de teu belo sorriso irônico

Minhas mãos te buscam com o saber cruel

De quem busca com afinco o seu prazer agônico


Eu te quero em meus braços sedentos

Para mergulhar em nossos gozos ardentes

Que dos meus desejos que me tomam com alento

Eu te tenha entrelaçada em meu corpo incandescente


Mas seus braços se cruzam em investidas

Que eu trago em meus desejos despertados

Me pergunto se eu devo buscar despedidas

Em nossas trocas que me transpassam furtados


Priscila de Athaides – 07/11/2022

domingo, 24 de julho de 2022

Reflexões não solicitadas - Construção

 


Parte XVII

Hoje eu me peguei pensando sobre o que que quero em um relacionamento. Acredito que apenas aceitamos aquilo que vem e por isso estamos sempre tão perdidos em nosso caminho, aceitando qualquer desvio que parece oferecer algo agradável, mas que não nos comporta. Proponho esse exercício: Converse contigo mesmo sobre o que você quer em um relacionamento e analise se a pessoa que está ao teu lado pode te entregar o que você de fato precisa e quer. Se não, compartilhe com ela o que você busca em um relacionamento e veja se ela pode te dar isso, se vocês podem chegar em um denominador comum. Caso os seus planos não estejam alinhados, talvez seja o momento de vocês reverem se vocês querem estar juntos de fato ou se o que vocês têm hoje é realmente bom para ambos. Porque estar bem com o que você tem importa também, desde que você esteja confortável com essa situação. Mas se não for o caso, reavalie e siga o seu caminho, se você puder. Au revoir. Não tem nada de errado em reconhecer que o que você tem não é o melhor para você. Pelo contrário, na verdade, ir atrás do que você realmente quer demanda uma força interna gigante. Mas é necessário que a gente se dê o que queremos e precisamos. É a nossa vida e devemos buscar plenitude nela, evoluir nela, alcançarmos felicidade nela, sabendo que felicidade não é constância e nem eufórica, mas a junção de pequenas coisas em nosso cotidiano. Precisamos saber apreciá-las.

Mas afinal de contas o que eu quero? Sabe quando você conhece uma pessoa e você percebe que pode conversar sobre qualquer coisa com aquela pessoa e um assunto leva a outro que leva para outro e leva para outro a ponto de você começarem a ver vários pontos em comum e entender os seus gostos e visões de mundo? Então você começa a compartilhar uma infinidade de coisas com ela: Ouça isso, veja esse vídeo, assista a aquele filme, leia esse texto. E então, quando você menos espera, você começa a perceber que tudo te lembra essa pessoa e que você quer compartilhar o seu mundo com ela. E quando vocês se encontram você sente uma boa sinergia, o toque da sua pele é magnético, o cheiro da pessoa te agrada, a textura do seu cabelo, a forma como ela te olha enquanto você fala, como você se pega hipnotizado pelo que a pessoa tem a te falar. Tudo o que você quer é estar naquele momento apenas sentindo as várias particularidades daquele ser humano, trocando todo o tipo de experiências. E tudo vai se desenvolvendo de uma forma orgânica, seu beijo combina, seus corpos se encaixam, vocês se levam ao gozo, você se sente à vontade para compartilhar a cama juntos. E então vocês percebem que querem aquilo, que querem mais e todas as vezes que vocês se encontram, mais o nível de intimidade entre você cresce e já estão tão à vontade com os barulhos dos seus corpos, suas rotinas, os seus cheiros humanos, os seus hábitos estranhos. Vocês começam a ter piadas internas, são bobos um com o outro, compartilham seus traumas e suas histórias de vida a ponto de você se dar conta que conhece tanto essa pessoa, toda uma vida, toda uma complexidade que os seus mundos já foram totalmente afetados e transformados. Vocês já não são mais os mesmos.

E eu quero ser o centro amoroso da vida dessa pessoa. Quero construir uma vida junto a ela, compartilhar o meu espaço com ela e ter o espaço dela compartilhado comigo. Mas que tenhamos direito à nossa individualidade. Que possamos sair, que possamos ter nossos momentos de solitude, que possamos ver os nossos amigos tranquilos sem haver nenhum tipo de controle ou brigas, que possamos comunicar o que sentimos, as coisas boas e as coisas ruins, e sentirmos que estamos sendo acolhidos. Quero alguém que esteja alinhado comigo, mas que continue fazendo as mesmas coisas que fazia antes, que não se afaste dos amigos nem da família. Mas que tenhamos os nossos momentos apenas entre nós também. Que a gente possa ir pro cinema juntos, coma em restaurantes juntos, cozinhemos juntos, passamos uma noite comendo e bebendo juntos e rindo de tudo até passarmos mal enquanto ouvimos música, que comecemos a ver séries juntos e passemos horas conversando sobre teorias, que a gente tenha filmes favoritos juntos, nossos fomes, nossas músicas, nossos momentos. Que a gente receba nossos amigos em casa e passemos uma tarde jogando, comendo pizza, bebendo cerveja e falando besteira, e que nossos amigos sejam todos bem-vindos e se sintam bem conosco, que saiam da nossa casa sentindo que tiveram um momento super agradável conosco e que somos ótimas companhia, pois não há momentos estranhos e nem estranhamentos. Mas que também possamos ir ao cinema sozinhos, porque aquele filme de terror não agrada a ele e o filme de ação que ele gosta não é interessante o suficiente para mim a ponto de pagar um ingresso, e tudo bem. Não vamos deixar de fazer o que gostamos porque o outro não quer fazer. Que possamos passar um dia vendo uma série que o outro não gosta tanto enquanto o outro passa o dia jogando videogame, sem sentir que temos de fazer companhia um ao outro, respeitando os nossos momentos sem ficar em cima ou achando que porque somos um casal, só podemos fazer coisas juntos. Que possamos sair com os nossos amigos sem a companhia um do outro sabendo que não precisamos ser controlados ou monitorados, pois confiamos em nós.

Que possamos compartilhar tudo sabendo que a pessoa vai nos ouvir, que vamos buscar soluções juntos, que vamos nos apoiar, nos acolher e entender o que queremos falar, sem o peso do julgamento, sem brigas, sem imposições. E que não exista segredos entre nós, mas não porque existe uma necessidade ou um pacto dentro do nosso relacionamento, mas porque gostamos tanto de compartilhar nossas coisas que queremos contar tudo o que acontece conosco todos os dias. Que não haja jogo, ou medo de falar algo e a pessoa se afastar ou achar que somos loucos – ou até ache, mas de uma forma adorável. Que possamos assumir que admiramos outras pessoas e que possamos ter desejos sexuais fora do nosso relacionamento, mas que não passa disso, pois no final das contas, queremos estar juntos e não desperdiçar o que temos por qualquer pessoa que apareça, pois queremos uma vida juntos e nos satisfazemos, mas somos humanos. Que a gente seja nós. É isso o que eu quero, uma pessoa com quem eu possa ser eu, nos níveis mais íntimos de mim, e ela olhe para mim e pense o quanto ela é privilegiada e o quanto me admira e ama estar comigo, mesmo quando não nos entendemos, mesmo quando não concordamos um com o outro, mesmo quando brigamos. E que a gente saiba lidar com esses momentos, pois somos seres complexos e não podemos estar sempre bem um com o outro. Mas que possamos lidar de forma madura e que façamos de tudo para nos resolvermos. E que a pessoa fique, não importe o quão difícil esses momentos pareçam ser. Que a pessoa sempre me escolha.

Que essa pessoa seja sempre cheia de comunicações, que haja em busca de resolução e de entendimentos, que a pessoa demonstre que está ali e que está considerando tudo o que conversamos, que haja sempre trocas, que respeitemos o espaço um do outro e os nossos momentos. E que seja natural, que seja nosso, que seja algo que simplesmente é, pois estamos alinhados. Que sempre foquemos em nossas qualidades ao invés de nos colocar para baixo ou apontar os nossos defeitos (e que a gente ame os nossos defeitos, pois fazem de nós únicos e complexos, fazem parte de nós também), que nossas piadas sejam sempre para nos elevar ao invés de nos diminuir, pois queremos evitar momentos constrangedores ou fazer com que o outro se sinta mal de alguma forma. Mas que quando algo que fizermos nos machuque de alguma forma, que possamos conversar e procurarmos melhorar a nossa atitude. Que a gente cresça juntos. E que a gente evite usar os nossos complexos e traumas um contra o outro.

E quando eu encontrar essa pessoa, quero construir uma vida ao lado dela, um lar, uma família. Quero que seja duradouro, que a gente crie planos juntos e faça-os acontecer. O fortuna. Que possamos morar juntos, que possamos criar uma rotina juntos, uma comunhão. Que a gente cresça materialmente e nos apoiemos em nossos projetos, que nos ajudemos, que nos alinhemos. Que a nossa casa seja uma mistura de nós, a nossa estética, nossas plantas, nossos gatos, cachorros, pássaros, nosso cheiro, e o que mais tiver de ser. E que tenha um quintal para que possamos nos sentar ao fim de um longo dia de trabalho e possamos apenas olhar para o céu e apreciá-lo, em um silêncio confortante, bebendo uma taça de vinho e comendo uma comida bem confortante, contemplando o que construímos juntos, agradecidos. Que a gente se ajude nos trabalhos domésticos, mas também que não nos cobremos, que saibamos dividir esse trabalho igualitariamente, mas sem ficar no pé um do outro. Que a gente não se sobrecarregue, mas que nos equilibremos. E que a gente sempre celebre a nossa vida, que a gente sempre se divirta um com o outro. Que essa pessoa sempre me faça rir e que eu sempre a faça gargalhar com minhas piadas bobas e o meu sarcasmo. Que ela se empolgue junto com a minha empolgação com as coisas e que eu possa a escutar quando ela fala sobre as coisas que ama fazer e também me empolgue com elas. Que possamos fazer o que amamos juntos.  Que eu olhe para ela e fique encantada com a sua beleza única, que eu passe a mão em sua face com uma enorme admiração, que os nossos dias sejam repletos de palavras amorosas e toques carinhosos, beijos acolhedores e abraços acalentadores. Que seja real amor repleto de companheirismo. E há de ser. É. Está feito. Eu sei que essa pessoa está logo ali, ao alcance das minhas mãos, aguardando o tempo certo para nos encontrarmos, para termos esse mesmo propósito de vida, pois já vivemos histórias que não nos comportam mais e já sabemos o que queremos baseado nas coisas que vivemos e não foram, já que nós somos a nossa história e vamos nos reconhecer um no outro quando nos encontrarmos.

Então sigo caminhando para esse horizonte esmeraldino para além dos campos de papoula, em busca do meu lar. Em meio a tantas desventuras e confusões internas, eu sei que olhar ao meu redor, estar em contato com a minha essência, viver o agora e me centrar na terra que me aterra me faz ver claramente a miragem que se forma em minha frente e se solidifica. Posso quase tocar, está bem ali. Você aí no abismo certa vez me perguntou o que eu queria e eu não sabia te dizer o que. Agora eu sei. Me pergunto se você poderia me dar tudo isso, algo tão simples e tão complexo, e creio que muito provavelmente não. Mas saber o que eu quero torna a jornada mais leve, pois sei que o que ficou para trás não me servia e agora posso estar em busca do que me abarca. Em paz.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

Reflexões não solicitadas - Fidelidade

 


Parte XVI

Se escute, sinta o seu redor, veja o que te pertence e saiba deixar para trás aquilo que não te adiciona mais nada de bom. O caminho é longo e às vezes árduo e alguns locais parecem confortáveis demais, até você ser expulso da beira do lago com as suas flores de narciso, pois aquele espaço não te comporta. O seu lugar não é ali. Escute aquela voz que te diz que você deve apenas continuar e não se deixar seduzir ao que se mostra como algo que te acolhe, mas que apenas quer te devorar. Nem tudo o que reluz é ouro. Reconheça o seu valor, agradeça e siga em frente. Há sempre lições a serem aprendidas. Agora você sabe o que não te serve e pode ir em busca de algo que te abarque e reconheça em você o seu real valor. Não se prenda aos "e se...", isso te impede de seguir em paz consigo mesmo. Um sábio homem me disse que o caminho para a plenitude é árduo, sempre aparecerão empecilhos na caminhada, desvios. Mas o caminho continua independente de você se desviar dele ou continuar a sua caminhada, é só saber a hora de retomar. É um eterno retorno, a roda sempre gira e cabe a você se ela te leva ao topo ou se te joga no abismo.

O tolo te levará à beira do precipício com a promessa de que você pode voar e alcançar os céus. Mas ao ser contrariado, ele irá te empurrar e te ver cair, se perguntando o que ele fez de errado, virando as costas e lavando as suas mãos. A hipocrisia de não assumir os erros é uma das faces sombrias das nuances humanas. É sempre o outro o problema. O tolo acaba culpando o enganado por ter se deixado ser empurrado. O tolo é aquele que sorri para a câmera fingindo estar tudo bem enquanto os seus erros são varridos para debaixo do tapete. Mas uma hora ele mesmo tropeça nesse montinho de sujeira e se pergunta como que chegou naquele estado.

Tente tirar a venda de alguém que se recusa a ver a luz da verdade e o verá cego e tentando atacar o ar, afim de atingir o mensageiro. Estar dentro da caverna incapaz de ver o mundo real e estar envolvido por sombras é muito mais confortável. A verdade pode ser distorcida de várias formas, e assim deixa de ser a verdade para se tornar a sua versão dos fatos. E as pessoas acreditam naquilo que melhor convém a elas por não aceitarem o gosto amargo da realidade. Talvez seja um mecanismo de defesa, talvez uma forma de não assumir o pior dos outros ou de si mesmos. Mas não somos maniqueístas. O bem e o mal existem em nós em tons de cinza. Assumir os erros e trabalhar em cima deles deveria ser a melhor escolha. Devemos buscar aprimoramento ao invés de fingir estar tudo bem e estarmos pendurados no mesmo lugar.

Portanto esteja alinhado com a sua consciência e assuma os seus erros. Veja toda essa conjunção que aparece em sua jornada como um emaranhado de duras lições a serem aprendidas. E seja fiel a você, pois no final das contas, por mais belas que as palavras possam soar, o outro só te admira enquanto for conveniente a ele e palavras são jogadas ao vento, vento querido, para serem sopradas para além mar e se perderem no tempo que nos perpassa. Se alguém não quer estar contigo pelo seu belo e pelo seu feio, talvez os seus braços não deveriam pertence-los. E por mais difícil que seja, saiba reconhecer as suas limitações e procure trabalhar as suas sombras. Somos seres mutáveis e podemos esculpir nossas virtudes até tornarmo-nos versões melhores de nós mesmos. Que a pessoa se vá, é uma escolha crescer juntos ou buscar outras jornadas. Foque em você, no final das contas é contigo que você terá de conviver até o fim da sua vida (e além). Palavras de nada valem quando te beijam friamente a face entregando-te aos lobos e fugindo, te deixando só com todo o peso da culpa em suas costas - a culpa advinda a ti, para que o outro seja colocado em um pedestal e agraciado em prol de um castelo de areia. Mas a maré vem e vai e essa frágil construção será derrubada em sua efemeridade. Essa estrutura está fadada a desaparecer em meio as espumas do mar. O tolo não vê além, o tolo não assume os seus pecados, o tolo crê não ter o seu coração pesado, o tolo acredita estar acima de tudo e todos enquanto empurra do penhasco quem não serve mais, expondo a feiura em seu simpático sorriso malicioso.

É mais fácil dizer sim a definir o que não te serve mais e dizer não. O tolo se revolta quando você define os seus termos que não soam convenientes a ele. Ninguém quer abrir mão do que lhe parece confortável, pois estourar a sua bolha pode ser caótico a priori, e não há reais garantias. Mas será que vale a pena se prender ao familiar quando o novo te oferece novos horizontes? Você só interessa ao tolo enquanto não vê o lobo em pele de cordeiro e se deixa enganar pelas suas palavras de insidiosa admiração. Mas você é o cocriador da sua história e precisa estar ciente do que quer e definir o que não condiz com os seus passos, para dar espaço a um caminho mais preciso em sua história, feito com escolhas que fazem sentido para você, e não àquilo que te causa estranheza ao experienciar esse novo que te convida ou o velho que não te acolhe mais em sua plenitude. Não fique em um lugar que parece te rechaçar com olhos gélidos e raivosos, pois as suas garras serão afiadas e vão se agarrar a esse castelo de areia, tenebrosos das suas vãs realidades distorcidas, vendo-o desmoronar diante de seus olhos, mas tentando colocar a sua ruína de pé enquanto a maré sobe e leva tudo embora.

Não se culpe, não quando a situação vem até você e te ludibria com belas palavras e propostas, enquanto você vai aos poucos cedendo internamente. De quem era a responsabilidade nessa situação? Mais fácil pedir desculpas ao enganado e fingir que nada fez, do que assumir a sua culpa e encarar as consequências dela. Mas entenda que cabe apenas a você tirar a venda dos teus olhos. Deixe-os fingir que está tudo bem acreditando nas verdades não contadas e mentiras disfarçadas. Continue a sua caminhada quando a realidade vier à tona, você deixou se enganar tanto quanto, apenas soube tirar a venda por si só. Pessoas fazem escolhas e escolhas têm consequências. E você escolheu seguir em frente. E está tudo bem.

Você é muito maior do que tudo isso, do que todos eles que ficaram para trás. Você é protagonista da sua história. E a sua história é digna de ser contada e inspirar os que te rodeiam e te amam. Você é muito mais do que o que viveu e não deu certo. Olhe ao seu redor e veja tudo o que você construiu, todas as pessoas que você alcança todos os dias, as vidas que você muda para melhor. Você também guia, você também transforma quando se permite sair deste local murado em que se esconde, desperdiçando toda essa vitalidade que te escorre os lábios em eloquentes palavras de profundo saber. Quem não está alinhado contigo, com essa grande força que emana de ti, que fique para trás e conviva com as suas tórpidas escolhas. Virtutis michi nunc contraria.